O PAI

cortou o sertão  o arenoso sertão  um saara
             esquecido
             mas fornido de pedras e lapidares nomes
             onde ouviu um tímido baião ou um furtivo jazz
             no largo da matriz
             veio baldeando por minas  espírito santo
                              rio ...
             pensou em retornar à bahia ou seguir para cuiabá...
             aqui falou óxente, vigi e também fincou raízes...
                              quando bebe um conhaque
                              pensa logo em voltar para a chapada diamantina






Filho progênito
sob a vigília de Amália / minha tia
                                minha mãe
          tirava linha com meu pai
          sou filho progênito de um amor censurado




Córdoba
terra de meus avós
             que desconheço
             por fotos ou pela oral tradição
   reconstituir-te tento
                          em meu coração




4 X 3 - Dedico ao meu tio Armando 
dois de cesar e nem fazia dez minutos
era um dia frio mas ensolarado
desci de tanto desgosto
para o meu gosto
preferível 
ao menos 
um de adãozinho
e tinha o segundo tempo para um gol adâmico
mas um nome brejeiro
veio antes do gol adâmico
e eu falei para o meu tio armando
é virada com certeza
esse tal de adão
com a sinistra é destreza
ainda nem comemorávamos
e veio o gol de tião
falei então
para o meu tiozão  3 x 1  tiozão
e ele ainda está no banco
e sapequei-lhe um beijo na bochecha
seiva de sobrinho agradecido 
mas tinha na academia o tal de
leiva que secou nossa garganta
mas quem é noé
sempre agiganta
e quase no naufrágio
não foi tales nem foi flávio
e três a três na pelota
veio de fininha
na reviravolta adãozinho fez o quarto
o terceiro mirandinha
dois de cesar e nem fazia dez minutos
mas no apagar dos
                                      refletores
venceram nossos atores  
isso já faz alguns anos
mas foi com tião lindóia rivelino
e otros hermanos 
no final 4 x 3 
e  pernachia nos italianos...




Dedico aos meus amigos de infância
SÁBADOS E DOMINGOS


eu gostava do cinto ´lee´ 
à frente o número 97 as janelas estilhaçadas  pela dente de leite 
embaixadas malfeitas  e mal articuladas 
na ausência da bola porque sempre murchava ou sempre furava  ferro enferrujado 
quase um/umbigo próximo ao bico  íamos jogar sete e meio e/ou tômbola 
casa de dona cida  perdia quase toda a minha economia  não sobrava para nada  nem para alguma folia 
mas a folia era ali mesmo  fogueira ao relento  uma batata assada 
eu e todos os meus camaradas 
lá pelas onze  no máximo  meia-noite  vestia-me como um monge 
                                       nem esperava a mãe gritar de longe 
o universo era ali mesmo  certa vez fiz ´cinquina´  noites perdi feio  adorávamos o pipoqueiro de domingo 
sentávamos-nos no muro 
as janelas estilhaçadas   à nossa frente o universo  eu e os meus camaradas.




A gruta
Sua avó cantava e costurava
Seu pai brincava com o cavalo de pau
Punha o elmo de plástico e sonhava ser um romano
Pelas ruas libaneses negociavam diamantes
Perdido na gruta escura seu avô carregava 
sacos de cascalhos e não olhava para trás
Seu avô já sabia das profecias
Quando estamos num labirinto
Nem mesmo Orfeu nos redime








O GARIMPEIRO - PARA CHAPADA DIAMANTINA
A bátega com o latagão
       As semipedras         pedras-cascalhos
       Não diamantizadas   são o seu látego
À procura de diamantes mergulha com a sua enxó em vórtices de arenito
                        É desde tenra idade
                        Caçador de voragens







Do Livro - Etnias - para meu avô Francisco Luques Serrano - in memoriam 
Apostou cortar o ocenao
em Córdoba não havia esperança
antes mesmo do advento de Guernica ou daquela estúpida guerra
                          já vaticinava todo o malogro
                                             dentro de sórdidos porões
                                             não viu o marujo que o mar escondeu
                    nem tampouco ouviu o choro de Kaváfis na escura taverna
                    foram vinte trinta quarenta dias singrando o mar
                                                        chamava-se Ulisses e nem sabia








Etnias
foi na chapada diamantina
que meu pai
pela primeira vez viu o pôr-do-sol e
                       ouviu um belíssimo
                       baião de luiz gonzaga
         dois seixos de diamantes
         duas pedras de garimpo








Etnias
o povo da chapada come o seu filão
e vindima a sua fome
com pedras
da draga
de mestre venâncio
seus diamantes
ele carrega
no bornal das imprecações
mas Deus
infelizmente
só tem usado ultimamente
os seus anéis de saturno 





 02/11/2005 

A visita de Rosa

Rosa vinha todo sábado, quando o sol ainda
empunhava o seu gesto mais viril.
Eu me perdia junto às formigas e taturanas...
Rosa carregava consigo uma velha sombrinha...
Descia a difícil  ladeira...
Descia...?
E lá da esquina ia anunciando a nós a sua chegada...
Antonio detinha o seu passo de marido sempre atrasado...
No primeiro boteco parava e se perdia com a de limão...
- Que a irmã mais velha lá embaixo esperasse...
Na verdade, não tinham muitas afinidades...
A irmã nascera em Córdoba, província distante da Vila Esperança...
Rosa sempre quando chegava dizia:
- Nossa, Mercedes, que belo afilhado é o meu...
Eu me entretinha com a terra vermelha...
Escaldava-me sob o sol esturricante...
De repente uma chuva fina surpreendia-nos com a sua torrente...
Em conchas, eu tentava retê-la em minhas frágeis mãos...
Mãos flácidas e lânguidas...
A chuva fina escorria por entre os meus dedos e os meus dedos
choravam de alegria...
Os meninos brincavam de bate-lata...
Mãe- da-rua...
Passa-anel...
Lembra-me que eu perdi um anel naquele dia...
Minha mãe desesperada percebia que eu não havia nascido
para a hermenêutica...
A primavera reluzia...
As flores matizadas enfeitavam todos os meus dias... 
Vovó, solerte, acariciava-me com o seu olhar distante...
Eu entendia a sua sagacidade....
Dividir o seu amor com outros seis filhos...
Os meninos brincavam de bate-lata...
Passa-anel...
Lembra-me que perdi um anel naquele dia...
A primavera reluzia...
As flores matizadas enfeitavam todos os meus dias...
Uma chuva fina entre os meus dedos....
Meus dedos choravam de alegria....
Era sábado...
E Rosa sempre vinha nos visitar... 






A CASA SOTERRADA - in memoriam de minha avó Maria Mercedes e o meu querido e amado tio Nelson Luques Serrano
ainda posso vê-los daqui...
ainda vejo uma penumbra fina...
quiçá duas...
três...
quatro...
cinco...
ainda posso vê-los daqui...
francisco dá ordens a mercedes....
mercedes retruca e não se faz solícita...
pega do qüarador e distrai-se com uma dança flamenca...
ainda posso vê-los daqui...
o garoto...
um serelepe...
assim lhe chama o seu avô...
esguicha água matizada com limão de cheiro...
o avô lhe punge com vergalhões de maldade...
pirracento...
agourento...
pachola...
vagabaundo...
estúrdio...
anacoreta de uma figa...
basbaque...
penduricalho de trem...
ainda posso vê-los daqui...
o radinho colado ao ouvido...
corinthians 2 x palmeiras 0...
essa está no bolso...
vê se não fica passando com esses pés sujos sobre o tapete...
só eu trabalho nessa casa...
oh, que vida que eu levo...
por que já não dá logo o endereço lá de cima...?
esse só vive no bar...
ah! bebeu novamente...?
juro...
juro...
esse neto não é meu...
precisa ter pedigree...
progênie...
etnia...
oh...
eu passei a roupa agora...
oh, santo antonio...
me livra...
me livra...
oh, meu santo antonio...
vem...
vamos jogar tômbola...
é fim de ano...
chama o toninho e a judite...
vamos bater lata...
armando...
acenda a fogueira...
seu avô trouxe pinhão lá da light...
vê se não vai beber de novo...
vem vamos bater lata...
sobre a televisão a foto de minha avó e a equipe campeã do
primeiro turno de 1969...
no guarda-comida as fotos de avós, tios, primos...
olha, mãe...
quem é esse de blusa vermelha...?
nossa, como eu estou ridícula...
nesse dia eu toquei castanhola...
deixa eu ver essa aqui...
pára, menino... 
tio, faz cortante para mim...
tá na hora de trabalhar, menino...
eu com treze anos já trabalhava...
vai querer ser o quê na vida...?
pensa que vai viver de bilhar como aquele seu tio...?
o rádio está ligado...
o locutor não se cansa de irradiar...
a máquina de lavar ainda está travada....
já é domingo...
ninguém vem visitar...
a pereira intenta uma flor... 
as corruíras assoviam um assovio desafinado...
a jabuticaba impõe o seu olhar de coruja...
amoras fendem seus lábios encarnados...
esboçam um sorriso...
agora já é quarta-feira de novo...
as cadeiras perfiladas na cozinha...
a anciã está ausente...
os ponteiros do relógio caminham resolutos...
dependurado na parede o quadro com a família...
o patriarca segura uma taça de champanha...
o cheiro de mofo exala pela cozinha...
uma traça risca uma foto de ponta a ponta...
já é domingo de novo...
ninguém vem visitar...
a pereira intenta uma flor...
as corruíras assoviam um assovio desafinado...
a jabuticaba impõe o seu olhar de coruja...
amoras fendem o seu sorriso...
uma linfa vermelha, um aljôfar de lágrima, escorre sobre a casa...
ninguém mais vem visitar...
a casa está soterrada....
mas ainda posso vê-los daqui...
sp.07.12.2001 



















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