AS FORMIGAS


 

As formigas formavam duas linhas: uma preta, longa e incessante; e outra vermelha, vindo na direção contrária. 

Movimento de serpente em direções opostas que se encontravam na porta do casebre, riscando o chão de terra batida. 

Há pouco uma delas havia descoberto aquela iguaria, doce e quente. 

Avisara às outras, que marcharam num grande fluxo preto. 

E agora, as primeiras já estavam voltando para o formigueiro para depositar sua contribuição para a vida na colônia.

Lá fora, o vento atravessava a janela aberta e trazia de dentro do barraco penas mortas de galinha, penas grandes e penugens, de várias cores, e elas cobriam tudo naquele recinto silencioso.

O cachorro morto no quintal estava coberto de moscas, que fugiam num movimento de nuvem, com a lufada das penas. 

A revoada do enxame produzia o  único barulho naquele quintal. 

No fundo, onde antes havia um galinheiro, centenas de animais despedaçados não chamavam atenção das moscas ainda, pois o vento carregava o odor morno do meio dia e as penas daquelas galinhas, galos e pintinhos pelas portas arrombadas da cozinha.

Lá dentro, um odor adocicado atraía as formigas, que se aglutinavam em torno de um corpo humano destroçado, ferido de morte no pescoço dilacerado por mandíbulas caninas e todo perfurado à bala. 

Ainda pareciam quentes, os projéteis que jaziam dentro daquela carne sem vida. 

O sangue ainda vermelho, misturava- se com o branco do açúcar espalhado pelo chão - grandes sacos perfurados e rasgados, espalhavam açúcar por toda a parte - misturado também com as penas que invadiram a pequena casa, formavam uma massa disforme que, se observada de perto, parecia estar viva, devido a quantidade enorme de formigas disputando cada pequeno torrão de açúcar, que eram carregados para fora, formando um fluxo, uma rota, em direção contrária à que as trouxera até ali, dessa vez formava uma linha avermelhada, pois os torrões, cobertas de sangue, eram carregados nas costas das pequenas, mas fortes, formigas. 

Daquela massa sobre o corpo de um velho homem negro, que mais parecia um coração pulsando, mas sem bater, as formigas riscavam o chão daquele casebre no meio do Planalto Central. 

Colorindo de vermelho o refletir do sol do meio dia.


Edson Machado

Professor da Rede pública

Poeta, letrista, contista e músico.

Teve textos publicados nas coletâneas Nós outros (poesia) e Vento a favor (contos).

Participou do Concurso de poesia falada da Prefeitura de São Paulo em 1999 e 2000.

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