Veneza, Veneza! Reflito a propósito desta declaração de amor do espanhol recentemente desaparecido Javier Marías. O escritor que confessou ter-se dedicado à escrita para não ser obrigado a obedecer a um chefe nem ter de se levantar cedo todos os dias, sempre que podia deambulava pela cidade dos canais e do Adriático e partilha neste delicioso livrinho alguns segredos (pelo menos para mim) da sua amada cidade. Dicas preciosas sobre os melhores passeios a pé, sobre a arte do interior das igrejas mais icónicas, sobre as mil e uma histórias ali vividas por tantos artistas, sobre a arquitetura e sua proveniência (em particular, a pedra da Ístria), sobre as personagens famosas que por lá viveram, assim como os cada vez menos habitantes que ainda lá vivem nos nossos dias, sobre aspetos culturais muito particulares como os locais onde os venezianos (ainda) tomam os seus aperitivos, ao meio-dia religiosamente, os teatros e a ópera que continuam a frequentar e seus compositores e artistas, enfim...
Para mim, é um bellini no Harry’s e um gelado de chocolate e chantili no Zattere. E uma passeata de uma hora no fim.
Continuo a sonhar com Veneza. Veneza."
“Pois hoje regressei de um suspiro à sereníssima pela mão do também genial sérvio Predrag Matvejevitch. De seu nome “A outra Veneza", a obra, sempre que pode, faz jus ao seu título e procura fugir aos lugares comuns que todos conhecemos sobre a cidade, investindo em preciosos apontamentos acerca do que o tempo permitiu conservar até aos nossos dias, não sem uma melancolia recorrente que acompanha as mais diversas indagações deste apaixonado e curioso que quase sempre recebe uma resposta negativa dos poucos habitantes locais quando lhes colocava questões culturais sobre Veneza. Restaram-lhe, então, as deambulações pelos cursos da cidade, apelando aos seus próprios instintos, mais os variadíssimos livros que estudou e, não menos importante, a sua prodigiosa memória, sedenta de unir imensas pontas soltas atravessando séculos de história, geografia, urbanismo, arte, costumes e particularismos culturais que se traduziram num labirinto estilístico e linguístico em terra nem sempre firme, dos Doges à caça às aves, dos barbeiros às deslumbrantes pinturas, das tascas à ópera, dos ventos ao pão, do vidro aos jardins privados, dos palazzos às doenças contagiosas, da literatura ao esoterismo e por aí fora, numa viagem hipnótica a que já no “Breviário Mediterrânico" nos havia habituado.
Dei por mim a ler em alta voz todos os termos venezianos invocados, e são imensos, e a sonhar com um canal ou uma viela cuja entrada privada a que só eu teria acesso me fizesse regressar à cidade que mais me fascinou nesta vida: Veneza. Veneza. Veneza.”
Comentários
Postar um comentário