20/10/2007
“Todo o povo que atinge um certo grau de desenvolvimento se sente naturalmente inclinado à prática da educação”
JAEGER
Após leitura exaustiva e pesquisa bibliográfica, faz-se mister analisar ‘os problemas da educação ao longo do surgimento da filosofia e a antiguidade clássica’; e para isso, é necessário que detenhamo-nos no que seja educação, posto que o conceito educação perdeu e ganhou novos significados semânticos desde os tempos dos gregos, que são, por assim dizer, os protogenitores do que vem a ser a educação. É evidente que se fizermos uma emulação com a educação hodierna, e se pretendemos fugir aos chavões etimológicos, poderemos já notar algumas similaridades da atual educação com o próprio pensamento grego, mais exatamente na sofística grega. Todavia, seria o ideal começar pelo começo, embora não seja o começo propriamente dito da cultura grega; e esse começo nos daria informações da educação homérica, pois “as epopéias de Homero evocam o marco referencial dos ideais educativos entre os gregos. Esses ideais correspondem ao conceito de areté e somente mediante este conceito poderemos nos aproximar da significação e da importância da Paidéia”. De modo que um dos primeiros paradigmas do homem heleno é o poeta Homero com as suas duas epopéias. Na verdade, o que há é uma intensa ‘aristocratização’da educação, na qual valores como “honrar os deuses, honrar pai e mãe, respeitar os estrangeiros consiste numa série de preceitos sobre a modalidade externa e em regras de prudência...” Com nos diz Jaeger: “ é fato fundamental da história da cultura que toda a cultura elevada surge da diferenciação das classes sociais, a qual por sua vez se origina na diferença de valor espiritual e corporal dos indivíduos”. Nesse sentido, observa-se o intuito de dar preferência a um certo rigor moral, bem como a uma tradição ‘dinástica e heróica’ se assim podemos dizer. A Educação homérica sendo de certo modo ‘elitista’: “a nobreza na Odisséia é uma classe fechada, com forte consciência dos seus privilégios, do seu domínio e dos seus finos costumes e modos de vida” – e isso mais no sentido de eleger os afortunados da Paidéia grega, fazendo de seus homens educados verdadeiros heróis – com a comum rotina de revestir o herói com o humano e vice-versa. Contrapondo a esse objetivo, temos a educação sofística, que se por um lado é criticada ao ser comparada aos vendilhões e vendedores da educação, por outro é reverenciada por ter tornado a educação mais próxima dos homens mortais – o que lhe dá o valor de democratização ao povo grego. E nesse embate, há, na certa, e, sobretudo, na educação homérica, um viés de escolha social, como podemos destacar da nossa própria apostila: “o filósofo é um sábio que transmite seus conhecimentos a discípulos escolhidos...’ – vê-se daí a ligação entre a filosofia e o ideal homérico, embora ambos destoando quanto ao mito e o logos; todavia, percebemos que, não obstante as alcunhas de ‘profissionais da educação’ os sofistas, naquilo que entendemos hoje por educação, já estavam um pouco mais próximos, do que os distantes e teóricos filósofos. E por isso, é nítida, a nosso ver, as intenções de ambas as educações. A primeira parecendo-nos mais atinada a um refinamento comparável aos ideais burgueses de agora, colocando a educação no sentido de menos educar e mais diferenciar, no que iria na contramão de uma educação mais universal, onde todos os cidadãos poderiam ter à sua disposição esse ‘status’: a formação do cidadão. Nesse sentido ainda, a educação servindo a ambos com propósitos bem distintos; podendo nos facilitar, por conseguinte, e sem precipitação, a idéia nefasta, abominável e concebida de plebs e eugenia moderna. O que faz confundirmo-nos a cada leitura de Nietzsche, que ora é influenciado pela visão homérica do mundo e ora pela visão sofística, já que se supõe por elas influenciado; pois ‘Nietzsche considera que a poesia épica de Homero seria a expressão maior do espírito apolíneo’ – porque Nietzsche procura retirar da disputa heróica algo salutar para os homens – talvez Nietzsche pensasse em algo dialético: primeiro ‘heroificar’ todos os homens, para depois fazê-los deles justos cidadãos; e para isso Nietzsche não descartaria nenhuma das educações, sendo a sua primeira tese, a tese homérica do herói, para depois apor outra tese, no sentido de educar a todos, e daí tirar o seu Übermensch ético e valoroso, ao contrário daqueles que viam em Nietzsche os primeiros progressos de sistemas que não pautavam por uma certa democracia . A guerra que Nietzsche via era uma guerra pautada para o progresso, e não no sentido de discriminar -- seria uma guerra paidéica, na intenção de aprimorar valores morais e éticos dos homens, o que os seus posteriores, com efeito, não muito bem entenderam, ou não se fizeram entender. E para isso, talvez não tenham entendido Nietzsche quanto à educação socrática, porquanto sabemos que “Nietzsche foi um dos maiores adversários de Sócrates” – e Sócrates, possivelmente, sofreu em face dos achaques de Nietzsche com o Cristianismo, pois para Nietzsche, o cristianismo bebeu no vinho ou na cicuta de Sócrates. Mas se Sócrates tinha um ideário moral, e se Nietzsche, bem ou mal, também o tinha, o que os fez adversários então? Sócrates, com seu ideário, poderia parecer a Nietzsche meio pusilânime, porque, às vezes para Nietzsche “o homem ativo, violento, excessivo, está sempre bem mais próximo da justiça que o homem reativo”, porque “quando pensamos que estamos agindo, na realidade estamos reagindo, pois a própria consciência é dominada pela inconsciência, como forças vitais” - e isso contrastava ao ideário de Dioniso e de amor fati, e também contrastava num outro ponto maior, posto que para Sócrates ‘existimos mediante um corpo’ e posto que é o “ corpo que sofre, tem prazer e é disciplinado’, o que para o próprio Nietzsche seria um caos. Nietzsche, ao que parece, só possuía a sua anima, e concordar com Sócrates: “...no entanto, sei que uma ação injusta, a desobediência aos superiores, sejam deus ou homem, sei que é um mal e uma desgraça” – seria quase que negar os limites de sua paidéia germânica. Para Nietzsche praticamente, ao contrário de Sócrates, não havia corpo; e se houvesse, seriam os seus olhos, que lhe deram muitos achaques e o infortúnio de perdidas leituras, ou os seus ouvidos para cultuar e depois denegar a música de Wagner. De maneira que a compleição somática de Nietzsche rarefeitava-se em seus olhos e ouvidos, o que metaforicamente o ungia à estética, tão estreita também aos helenos; sendo o seu corpo transformado em mero apêndice trágico que caminhava solitário por Sils-Maria a ouvir o seu profeta e inseparável Zaratustra, o qual, além dele, também muito nos teria a dizer a todos, no moldes trágicos de nossas tragédias, que “o homem é corda distendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; travessia perigosa, temerário caminho, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar”. Porque como ainda diz Nietzsche: “a grandeza do homem é ser uma ponte, e não uma meta’. Por isso, a nosso ver, adula o homem grandioso aquele que adulará a educação socrática, homérica, nitzscheana ou sofística, naquilo que elas sempre tiverem de melhor.
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