A peste na Poesia Popular Madeirense do início do século XX


A peste bubónica de 1905 ficou conhecida na Ilha da Madeira por Peste do Lazareto, edifício da cidade do Funchal designado para acolher os enfermos daquele surto.

Ora, o povo madeirense, impaciente por não conseguir obter informações imediatas sobre o estado de saúde dos seus familiares, começou a convencer-se de que o médico e os restantes profissionais de saúde daquele espaço estariam a assassinar os doentes com o aval das autoridades locais.

Foi neste contexto de exaltação popular que as multidões indignadas, de forma simples, rude, ingénua, mas também espontânea e apaixonada, usaram e abusaram da escrita desenfreada de composições poéticas, vendidas em opúsculos e outras folhas avulsas, que, assombrosa e fecundamente, revelavam todo o tipo de tropelias linguísticas e demais exageros, como poderemos averiguar neste poema do Feiticeiro e nas capas das restantes produções:

          

“Cantigas do feiticeiro

Foram sempre bem acceitas,

Eu cá tenho as pernas tortas

Mas digo coisas direitas.

Vim do Arco de S. Jorge,

Lá da minha Moradia,

Mas antes tomei conselho

Com o padre da freguezia. 

-Senhor padre sou christao,

Comecei por lhe dizer,

E sem minha confissão

Eu nao desejo morrer,

Anda a peste no Funchal

P´ra lá quero caminhar

Sou casado tenho filhos

Posso por lá acabar

E a elles coitadinhos

Quem os hade sustentar.

O padre me respondeu

Que estivesse descançado

Pois na sua opinião

O nosso maldito Estado

É que precisava ser

Muito bem desinfectado.

Que o padre nao me enganava

Entao logo percebi,

Despedi-me da familia

E em seguida parti

Pra o Funchal e aqui estou

Prompto a contar o que vi. 

Foi na rua dos Ferreiros

Onde a peste comecou

A enganar toda a gente

Que na rua se ajuntou”


In A peste no Funchal, Cantigas do Feiticeiro, 2ª série


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Biografia

Pedro Vale é um escritor português, natural de Moreira de Cónegos, Guimarães, que habita na Ilha da Madeira.

Professor de Português e Inglês, encontra-se a lecionar no primeiro ciclo desde 2002.

Cursou Ciências da Cultura e frequenta o mestrado em Gestão Cultural na Universidade da Madeira.


Comentários

  1. Muito obrigado pela oportunidade, Wilson. Um enorme abraço poético da Ilha da Madeira! 🐠

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