O SIMULACRO DO FUTURO
Wilson Luques Costa Ver Perfil
1 sim, monsenhor... sou de aquário... o que me possibilitou, depois de centenas e centenas de pirronistas, que tentaram me desconsiderar por todos esses anos, aceder ao fechamento de um silogismo, que eu já desconfiava, desde quando daqui deste pináculo ou como queira o monsenhor, daqui deste outeiro, que diz respeito à minha genialidade, assegurar-lhe nesse momento, que acabo por definir e dar por acabado um conceito que veio há anos aturdindo a todos da população... 2 sim, monsenhor... não desconsidere o fato de haver muitos canalhas nesta cidade... o fato de haver muitos canalhas nesta cidade, não impedirá de maneira alguma que eu lhe relate esse conceito antediluviano que viemos perquerindo ou até mesmo tentando encontrar o bojo de sua saliência... acresce-se ainda, monsenhor... que não obstante a minha genialidade, devo confessar-lhe como se deu tal episódio... 3 mas antes, monsenhor... devo informar-lhe que nesta cidade há muitos canalhas... sim, monsenhor, foi o fato de haver muitos canalhas nesta cidade, que me induziu à inserção neste processo sistemático de ensimesmamento, o que me possibilitou como já relatei ao assentimento dessa ideia, que agora denota a minha genialidade, ratificando de modo cabal e epistemológico o meu axioma... que no entanto não deverá surpreendê-lo, por se tratar na verdade, de um pleonasmo tautológico... 4 a verdade, monsenhor... a verdade está a dois palmos de nossas retinas... mas não posso desdenhar o fato de eu ser de aquário, monsenhor... para eu ter chegado a esse paradigma... não sei, monsenhor... como o conceituei e como cheguei ao limiar de uma conclusão perene e que julgo satisfatória... talvez seja o fato de minha concepção ter se dado provavelmente em meados de maio, monsenhor... quando as flores restabeleciam o seu viço e as sebes ornamentavam o asfalto com seus juncos... 5 mas o fato, monsenhor... o fato é que a verdade veio à tona... a verdade que estava a dois palmos de nossas narinas... não que essa verdade viria a ser descoberta por quaisquer cânones... não, monsenhor... a verdade veio de forma intuitiva... que apesar da minha genialidade, monsenhor... não poderia eu julgá-la, tal como bergson a teria julgado... mas posso considerar que essa minha tal genialidade, monsenhor... seja um mix de ilação e intuitividade... e o fato, monsenhor... de haver muitos canalhas, nesta cidade, não me impediu de chegar a esse desparadoxo... 6 não foi, monsenhor... a fenomenologia que me levou... não, monsenhor... nem, contudo shakespeare ou la rochefoucauld nem mesmo qualquer aforismo ingênuo e tolo que me levou... sim, monsenhor... foi um jogo... talvez um pecado pelos cânones estabelecidos... talvez tenha sido um impulso pré-lógico... talvez, monsenhor... um impulso natural a verdade, monsenhor... é que tal fato deu-se em meados de fevereiro... quando todos estupefatavam-se com essas danças esquisitas... 7 não julgue tal fato um absurdo, monsenhor... e não desconsidere que o fato de termos muitos canalhas nesta cidade é o que me fez pensar em silêncio... não foi no intuito de um potlatch, monsenhor... que canalizei e dissipei toda minha energia... não, monsenhor... não deve haver tolerância quando se asculta o significado das coisas... e a verdade, monsenhor... é que o meu juízo está ratificado em todos os seus aspectos eloquentes... 8 eu, monsenhor... jamais olvidaria qualquer aspecto que diferisse de minha metodologia... a não ser o fato empírico das incoerências inolvidáveis... não pense, monsenhor... que esta verdade resida em aspectos singulares, já que me encontro nesse círculo adiante... 9 devo também lhe informar, monsenhor... desse aspecto... esse fato, monsenhor... não deve ser arguido... os canalhas desta cidade não devem ser refratários quanto a essas premissas, às quais me referi... 10 pois bem, monsenhor,,, necessito contar-lhe como tudo ocorreu... 11 sim, monsenhor... eu estava distraído observando um felino nefelibata, quando me deparei com essa antinomia... aí pensei: acabo por definir tal antinomia... é simples: posso muito bem defini-la e superá-la por uma razão simples, já que me encontro nessa situação que me permite de forma empírica aplicar toda a teorética até então consagrada... se posso, monsenhor... desta forma estabelecer e consagrar algo que vem sendo perquerido há séculos, posso também julgar-me um gênio dentre muitos canalhas que residem nesta cidade... 12 e aí, monsenhor... estabeleci algumas regras, mas vi que toda metodologia empregada ia me desviando dos conceitos estabelecidos... aí então retornei ao puro silogismo que, apesar de simples, deu-me todo o substrato para a canonização desse conceito... 13 eu, monsenhor... confesso que fiquei perplexo, quando percebi que o julgamento que eu fazia, era mais simples do que eu pensava... e aí pensei: será que outros aquarianos como eu tiveram esses mesmos insigths, quando muitos desta cidade, sobretudo os canalhas, dançavam uma dança esquisita.... 14 ah, monsenhor... não julgue depois que eu lhe relatar esse insight, que tal desvelamento seja um verdadeiro ovo de colombo... não, monsenhor... os ovos de colombos só funcionam quando se quebra a casca que os envolve... sim, monsenhor... muitos dirão: mas se trata de um verdadeiro ovo de colombo... 15 sabe, monsenhor... não negaceio o desejo que em mim se instaura neste momento... o desejo tem comichões inescrutáveis... gostaria já de chofre lhe dizer como tudo ocorreu... mas vou boderjando pelas encostas, sem saber com convicção se esse relato estará muito bem consagrado... 16 mas, monsenhor... retornemos... quando, monsenhor... lhe digo: retornemos... já quase lhe atiro um fio condutor, entretanto, monsenhor... um aquariano nesta minha condição de genialidade só poderá na verdade retornar... já que esse retorno induz, ao menos em sua sutilidade, o que passo logo a lhe relatar... 17 sei, monsenhor... que muitos neste momento julgam-me orgulhoso, ardiloso e tudo mais.... mas esse conceito emergiu mais em função de um mourão estático no qual todos se apoiam... 18 sim, monsenhor... eu estava com as duas palmas apoiando o meu queixo... era um devaneio... um simples devaneio... na verdade, eu não pensava em nada... mas me perguntei: como posso não pensar em nada... já que pensar em nada, significaria algum pensar... na realidade eu pensava algo... aí, monsenhor... eu repensei e repensei e lembrei que há muitos canalhas nessa cidade... mas desdenhei tal fato porque pensar é ficar doente do pensamento... alguém já disse isso alguma vez... mas não sei se pensava ou não pensava... eu despensava na verdade... as minhas mãos como aquele mourão e o meu queixo nelas apoiado... e eu pensava e despensava... e aí disse para mim mesmo: sou... sim... devo admitir tal verdade... sim, sou um gênio... mas aí pensei: mas e a humildade... mas ao mesmo tempo pensei: sou um gênio... sim, descobri... 19 não, monsenhor... eu não seria um gênio, se fosse o que o senhor está pensando.... só eu, monsenhor... um aquariano, poderia chegar a esse desvelamento... 20 e foi quando eu apoiava sobre as minhas mãos o meu queixo que pendia... que eu disse: heureca! heureca! heureca! sim, eu o vislumbro, ou melhor: eu sinto o seu odor... 21 eu não sabia, monsenhor... que ele tinha odor... é um odor fétido, monsenhor... é um odor que se espraia... que se dissemina... jamais pensei em minha vida que seria através de minhas narinas a descoberta... o desvelamento.... 22 então sucedeu, monsenhor... que toda a descoberta passava pelas minhas narinas... e eu, monsenhor... sentia o seu cheiro... e eu perguntava-me: como eu, um tosco aquariano, que não sabia que era um gênio, vim aportar aqui... que nau ou saveiro me trouxe... não me lembro... não me lembro... e eu ainda me perguntava: como aqui vim fundear.... qual quilha... qual embarcação... qual vento... qual leste ou oeste... qual correnteza... qual maresia... qual veleiro... será que posso retornar... já não tenho noção do tempo... o tempo aqui se quebra como os leves cristais... e eu, monsenhor... ansioso, olhava para a frente, mas eu não enxergava nada... e eu perguntava: então seria isso... fiquei desconsolado... einstein naturalmente tinha nos iludido... einstein fora um impostor... que os muros dos tártaros desabassem sobre a cabeça de einstein... 23 e eu, monsenhor... solitário, lá naquele escuro, eu chorava... sim, monsenhor... eu pedia socorro a einstein, mas einstein não me ouvia... eu não suportava mais o odor... eu queria retornar... mas lembrei-me dos canalhas da cidade... 24 então fiquei indeciso... como seria o meu retorno... eu tinha perdido a noção do tempo... o tempo tinha se partido... à minha frente mais nada... eu podia voltar... é concedido a um aquariano o retorno... será que é concedido... mas voltar pra quê.... mas ficar pra quê também... 25 então, monsenhor... embrenhei-me nessa triste aporia... mas se eu já me encontrava lá... restava-me o consolo ou o regozijo... mas einstein havia mentido: E=mc2... não... eu não compreendia nada daquilo... nada... nada... nada... 26 einstein naturalmente havia mentido... aí, monsenhor... eu comecei a chorar... eu chorava copiosamente... era uma torrente de lágrimas... lágrimas de alegria por aportar naquele navio... mas mesmo com as lágrimas eu via, monsenhor... eu via dali muitos mendigos.... eu via a fome, monsenhor... eu via a penúria arrebatando de forma repelente... eu via a agrura que se deitava naquele horizonte... mas lá não havia horizonte... lá era o fim e o começo, monsenhor... mas eu via nitidamente... eu me escorava em meu próprio corpo... eu, um aquariano, sozinho... e eu me escorava... eu queria retornar... mas não podia retornar, monsenhor... era lá, monsenhor... eu havia chegado... eu e minha genialidade... 27 eu não estava só, monsenhor... eu estava acompanhado... eu palmilhava ponto por ponto... eu queria conhecer a sua estrutura... eu queria conhecer o seu solo... eu havia chegado... eu sei que um filósofo já dissera que ele dura muito tempo... mas eu havia chegado... 28 procurei adaptar-me àquele odor, monsenhor... donde vinha aquele odor... eu me perguntava... 29 eu sozinho lá, só me perguntava... 30 sim, monsenhor... confesso que me decepcionei... zanguei-me por uns instantes... aventei um caminhar... mas eu não podia mais caminhar... lá era o limite... só me restava o retorno... mas como retornar... por quais atalhos... por quais caminhos... mas eu precisava retornar... não... eu não queria mais estar ... eu queria retornar.... pensei todas a formas de retorno... mas era isso que eu queria?... mas era isso que a humanidade queria?... aquele odor...? 31 era só isso... tantos ensaios... tantos... tantos... tantos... então era aquilo... oh, também althusser estava errado... não... não... althusser estava errado... lembro-me daquela frase no quadro negro... mas eu estava lá... eu tinha chegado... einstein: E=MC2... não podia ser... 32 sim, monsenhor... sou de aquário... e eu ensimesmado... e querendo retornar... eu tinha fechado todo o silogismo, monsenhor... agora eu era um gênio absoluto... sim, monsenhor... eu era um gênio absoluto... sim, monsenhor... esse era o meu vezo... eu, que todos julgavam um tosco aquariano, nascido nesta cidade de bárbaros... 33 então eu, um aquariano tinha chegado.... 34 e eu via... eu via a maldade com os dois punhos cerrados... eu via a inveja que forcejava uma janela escura... eu via os perdulários malsinando uns aos outros... e eu perguntava... não... eu já não perguntava... como eu poderia perguntar para mim mesmo... eu que tanto me perguntava... e eu me embaraçava... e eu me perdia... como pode um aquariano se perder... mas eu me perdia... eu me confundia... 35 mas eu via a barbárie... eu via a fome... de lá eu podia enxergar... eu via midas perdido num labirinto... midas cravejado de ouro e diamantes... sobre o dorso de midas um rubi encarnado... eu via leopold bloom... eu via tudo... uma leve brisa doce soprava por sobre as cabeças nuas num cochicho... eu via uma terra parda úmida... sim ... eu via duas vestais de dublin... eu havia chegado... 36 não... lá não era o paraíso... fomos enganados... fomos ludibriados... lá não era o paraíso, monsenhor... 37 como pude pisar em solo tão estranho... meu jeito estouvado de aquariano se perdia naquela imensidão... 38 todos ririam de mim... todos... todos... todos... eu, um aquariano que ousou chegar aonde não se chega... eu tinha ido contra a lei da gravidade... eu flanava de um lado pro outro... 39 sim, monsenhor... os canalhas desta cidade, na certa ririam de mim... ririam da minha derrelição... eu um homem sem horizonte que capengava naquele solo... eu, desamparado.... 40 mas eu havia chegado... eu via a deusa fama baldeando de valeta em valeta... a deusa fama vestida de azeviche... eu fazia a minha doxologia... mas qual deus me escutava... meu rito era inócuo... eu sucumbia sobre a planície da desilusão... 41 aí, monsenhor... a chuva começou a cair... caía em pingos ralos... pingos tênues... procurei me quedar em qualquer ancoradouro, monsenhor... de repente um dilúvio... os raios se espatifavam sobre as crateras labirínticas... ventos se convergiam num vulcão... redemoinhos de fogo acendiam e ascendiam aos céus... torvelinhos de esperança abatidos sob o tacão perpétuo da maldade... chovia, monsenhor... 42 um pássaro gigante sobrevoava sobre a minha cabeça... e eu suportando todo aquele solo pedregoso... 43 subitamente começou a trovejar... assustei-me mais ainda, monsenhor... um aquariano da minha estirpe sem jaça tem medo... assustei-me com o trovejar... pendiam pétalas de poesia naquele mar de fogo... mar ígneo onde brotava uma pétala de rosa... mas logo o mar se encrespou e o céu irou as suas vísceras... o mar e o céu unidos por um só desejo... 44 eu já não entendia mais nada, monsenhor... eu ouvia a algaravia dos silêncios... fiquei com medo, monsenhor... muito medo... eu, monsenhor... sozinho naquele solo pedregoso.... fiquei com medo.... 45 um cérbero latia ao fundo... com ondas variegadas meu cérebro sucumbia... tive um leve desmaio... mas logo me avistei inteiriço.... 46 e eu me perguntava, monsenhor... como pode um aquariano da minha estirpe ter chegado naquelas paragens... 47 mas depois da trovoada o sol se plantou... aquele sol parecia um dândi com seus raios esféricos e escaldantes... 48 a chuva intimidou-se... mas logo o plúmbeo das nuvens desceu entre os álamos das cordilheiras.... e eu me afeiçoei aos álamos... e eu me afeiçoei às cordilheiras... sentei, monsenhor, e comecei a chorar.... 49 cérbero, atento, ouvia os meus lamentos... o plúmbeo chumbo derretia e esfacelava- se sobre os montículos espessos... acintosamente vários dutos entrelaçaram-se formando uma espiral elíptica... por sobre aqueles dutos erigiu-se um degredo de gelo caucasiano... pelos dutos transcorria uma água gélida ... 50 um vento tépido varreu os cabelos encaracolados e frouxos da harmonia... 51 e cérbero... eu vi, monsenhor.... eu vi cérbero postado como a um guarda da realeza... não sei, monsenhor, a quem cérbero protegia... porque lá era um vasto povoado de tédio e vazio... 52 não, monsenhor, não se tratava do hades ou do inferno... não, monsenhor, não se tratava também do firmamento... nem tampouco, monsenhor... do purgatório.... 53 não, monsenhor... um aquariano da minha etnia, jamais conheceria o cáucaso de perto... 54 não monsenhor, dante já havia nos mostrado todos os seus círculos com seus hóspedes e inóspedes... 55 eu, um aquariano tosco, monsenhor, caminhava sobre aqueles páramos sem beatriz ou qualquer outra vestal... 56 sim, monsenhor... eu vi as vestais de dublin... 57 mas caminhava sozinho... 58 o charco se apoderava das lídimas correntezas... o arco-íris despertava nos interstícios das gelosias... um abajur fulvo observava as suas saliências... os livros repletos de ácaros aguardavam por um leitor voraz... o sol repelia a chuva... eu recebia encomendas de paris... 59 vinham versos bem concatenados por uma poetisa em degredo... 60 a poetisa deitava-se sobre os versos da saudade e arpejava seu peito qual uma lira... 61 a poetisa em degredo chorava lágrimas de poesia... seus versos emocionavam o poeta... a poetisa resgatava o seu amor perdido através das palavras... 62 as palavras salvam, monsenhor... as palavras salvam... 63 mas, monsenhor... eu não estava a salvo... eu, lá naquele labirinto, estava sem palavras... as palavras escorriam no sumidouro do esquecimento... 64 letra por letra ia se desajustando... as frases já não se concatenavam... e os canalhas da cidade aguardando um ditirambo qualquer... os canalhas queriam qualquer coisa... mas não havia palavras... as palavras já não expressavam mais nada... as palavras não representavam mais nada... letras eram trocadas... parecia uma dislexia... 65 aí que não se compreendia mais nada... não havia mais linguagem... tudo era muito incompreensível... os hermeneutas postavam suas cabeças nos incunábulos... mas os incunábulos eram indecifráveis... 66 uma tristeza se abatia sobre mim... 67 de repente o tédio... a solidão... 68 e eu ia palmilhando aquele solo pedregoso... aguardava uma ligação qualquer... mas não havia sinais... eram nove horas da manhã... sim, monsenhor... lá eram nove horas da manhã... era um fuso preciso... 69 um ato falho apoderou-se de mim... eu agarrava-me à memória tentando escapar daquele pesadelo... minha memória fraquejava... 70 de repente o silêncio... ao fundo um ruído... não, monsenhor, não era uma nota musical... era um ruído, monsenhor... sim, monsenhor, eram vários ruídos... não, monsenhor, não se agrupavam em notas musicais... 71 aí pensei, monsenhor:. deve ser schönberg... deve ser varèse ... 72 deve ser... não... não... não deve ser... 73 a porta abriu-se de chofre... passos nas escadas... silêncio... outro passo... pelo postigo alguém espiava... ouvi uma outra voz... não, monsenhor... eu não estava mais sozinho... quem estaria comigo, monsenhor... 74 as nuvens se adensavam no céu... eu ouvia espasmos... agora alguém subia a escada... outra dislexia... aí pensei, monsenhor... ela vem chegando... vem sorrateira... a passos lentos, monsenhor... ela vem chegando... ela vem pontuando o meu corpo... ela vem anunciando... 75 uma turbina estremecia os meus tímpanos... eu já não compreendia mais nada... outro passo... mais um... uma cortina sacudida... 76 agora um diálogo... pés nas escadas... o diálogo se estende... panegíricos de um lado a outro... uma admoestação... o vazio... a desesperança... eu ia captando tudo, monsenhor... mas eu sentia medo.... 77 ser um aquariano é terrível, monsenhor... qual a sua lua, monsenhor... não monsenhor, não mo diga... não mo diga.... 78 o diálogo num crescendo... ao fundo um uníssono... uma queda... uma leve queda... 79 nove e dezessete, monsenhor, e o pesadelo não passava... o tempo originário revelou-se... cheguei ao limite do percurso... eu precisava voltar... a tontura que se seguiu era uma grande revelação... 80 recaída e recuperação... 81 história com final feliz... 82 uma voz.... 83 tonitruante.... 84 meu batismo..... 85 minha prima tonsura.... 86 palavras jogadas ao léu... palavras sem sentido... palavras... palavras... palavras... 87 e os canalhas, monsenhor... os canalhas ririam... todos canalhas ririam, monsenhor... mas eu não me deixei abater... segui jornada adentro... 88 fui caminhando... avistei um detento sentado em praça pública... mercadejava seus signos... um escriba funéreo o acompanhava.... 89 gentis homens, monsenhor... eu os via de forma translúcida... um véu de neblina cobria-lhes as faces.... 90 a multidão caminhava desesperadamente... os carros alçavam as suas sirenes... ambulantes num alvoroço... mendigavam espórtulas mendigavam moedas... vinténs.... mendigavam pão... 91 a cicuta milimetricamente sorvida... 92 livros... jornais... badulaques à mancheia... música em excesso... abundância... desperdício... padres nas praças... messiânicos com seus cantochões... 93 circenses com línguas de fogo... labaredas nos cruzamentos... helicópteros sobrevoando os heliportos... stress... tensão... bílis... ódio... malversação... anseios gratuitos... pactos... desordens... assassinatos... 94 seqüestros... injúrias... difamação... dinheiro... ouro... piruetas... extorsões.... amabilidades secretas... sofistas decadentes... 95 rio caudoloso... labirintite... pressões desarticuladas... lágrimas... vestígios... arruaças... dízimos... moedas... moedas... moedas... gincanas... espermas contaminados... exibições gratuitas... quinze minutos... menos... muito menos... 96 um minuto... nada... nada... 97 revolucionários... 98 utópicos... 99 caleidoscópio... vertigem... atores mambembes... saraus... cantos... festas... ágora... parlamentos... agora... já... daqui a pouco... um instante, por favor... não... eu quero agora... agora... já... imediatamente... balas.... molotovs... favelas... samba... cachaça... 100 vazio... 101 vazio... vazio... vazio... 102 buraco negro... buraco...negro.... 103 choupana... messkirch... 104 novolin 70/30... 105 alaíde... ataúde... 106 alaúde.... starlix.... cho....cho...cho... biografemas.... 107 música... saudade vai voltar... eu nada vou dizer... desculpa se eu chorar... 108 ramal 245... ramal 236... ramal 239... 109 o gato como uma estátua... 110 heidegger... islã... benjamin... 111 buraco negro... choupos... cachopas... buraco negro... dormir... conluios... falsas cordialidades... pequenas desavenças... o olhar despercebido... a mão na nuca... diálogos frugais... dieta.... dependências... buraco negro... 112 o mercador... e-mail... buraco negro... 113 e eu ali , monsenhor... e o tédio se apoderando de mim... eu ouvia vozes, monsenhor... uma música indecifrável ao fundo... os prédios... revirava-me no leito da aflição... as encostas perfuradas de desespero... reminiscências... óstracos... a voz do poeta... o poeta erigido num azulejo... o poeta de black-tie.... 114 dez para as três... o fuso preciso... mais portas... calendários... livros empilhados... varal esvoaçando... rota de ícaros... cidade se verticalizando... esporro... raiva gula... destemperança... gráfico glicêmico... perfurar o lóbulo... não perfurar... mais uma refrega ganha... eludir todo pensamento nefasto... bravatas no ar... revival... o eterno retorno... nietzsche... pop... o esconso... o guardado sob o véu... a resistência.... cioran... ter suprimento no bornal das idéias... de que adianta.... 115 de que adianta, monsenhor.... 116 duas e cinquenta e sete... eram duas e cinquenta e sete... 117 já não eram mais... 118 o fuso impreciso... 119 nada mais era.... 120 o sumidouro... o sorvedouro... 121 a barba por fazer... espelho... ducha... motores turbinados... a dieta... o rigor... a luta com o imponderável... o exercício.... 122 e eu palmilhava as suas jardas... as suas medidas... a areia na ampulheta... o tempo medido... o fuso preciso... 123 eu palmilhava, monsenhor.... 124 eu, um aquariano... o décimo primeiro signo do zodíaco... 125 o fuso preciso... rato no chinês... 126 todos ririam de mim, monsenhor... todos... todos... todos.. mas eu palmilhava..... 127 09 de março... o fuso difuso ... o fuso impreciso... imprecisão... idéias suicidas... lâminas... estiletes... morfina benjaminiana... o medo do infinito... labilidade de pensamentos... resgate... curvas... parábolas afetos... desafetos... retrospectiva... perdas e danos... saldo equitativo... protelação dos fatos... vale a pena... não vale a pena... procura do detalhe... deus está no detalhe... procura do detalhe... cama... cama... cama... pensamento... despensamento... toca o telefone... o rescaldo atende... tudo bem... uma leve depressão... dias renovados... o fio de esperança... primeiras palavras... strasse... bild.... strand... mutter... vater... ich... spiel... lieben.... aber... logos eti gar arsenico o buraco negro... vazio... o medo do infinito... 128 o medo do infinito.... 129 o medo do infinito... 130 o medo do infinito... 131 o medo... 132 infinito... 133 infinito... infinito.... sim, monsenhor... esse é o meu vezo: o futuro... sim, monsenhor... o futuro dura muito tempo... mas é uma merda... monsenhor.... uma merda... sim, monsenhor, eu lhe garanto ... eu, monsenhor... um aquariano, concebido em meados de maio, quando as flores restabeleciam o seu viço e as sebes ornamentavam o asfalto com seu juncos... sim, monsenhor, eu lhe afirmo: o futuro é uma merda... uma merda... mas não durará muito tempo nas mãos dos canalhas desta cidade.....
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