Os Granizos dos Deuses - Texto completo com pequenas alterações

Wilson Luques Costa Ver Perfil

OS GRANIZOS DOS DEUSES
2016
Costa, Wilson Luques
Os granizos dos deuses
São Paulo ISBN 85 – 7372 – 590 – 7 1.Insanidade 2. Poesia brasileira Segunda edição Ano 2016 Edição do autor
Dedico a todos os leitores
OS GRANIZOS DOS DEUSES

Oh, Proserpina, gosto de ver o sol surgir no oriente e não me venha com as suas ideias de velocidade. Não! não! eu quero ficar aqui plantado vendo a terra fazer a sua translação. Como eu vou fazer para me sustentar? Você sabia que a palavra trabalho vem de tripaliare que significa instrumento de tortura? Sim! eu me nego a fazer o seu negócio. Como eu vou ganhar as minhas moedas? A minha moeda é a generosidade. Eu efetivamente não nasci para ficar teclando uma máquina inventada no século passado, nem pilotando um fogão ou dirigindo um aspirador de última geração. Por que você não admite que me quer ver bem longe de você? Por que eu lhe causo tanto asco assim? Por que nós não nos suportamos? Foi para isso que inventaram o trabalho? Esse calabouço com cartão de ponto e intervalos dominicais? Ora, ora, Proserpina! Pare com essa esquizofrenia barata! Você sabia que o trabalho não é necessário e que não enobrece o homem... Eu particularmente inverteria esse bordão obsoleto que diz que o trabalho enobrece o homem! Veja, trabalhamos há sessenta e três anos e o que vemos? Vemos essa nossa nobre mendicância! Saia agora da minha frente, pois você está tirando a minha luminosidade! Não, Proserpina, eu não saberia explicar o que é a arte! São tantos ensaios e discussões! A morte eu também não sei explicar! Por que você insiste nessa ideia nefasta de me alocar numa corretora de valores? Você sempre me diz que é para ganhar dinheiro! Que precisamos ganhar dinheiro! Que ganhar dinheiro na vida é tudo! Que dinheiro! Que dinheiro! Que dinheiro! Que Isaurinha casou por dinheiro! Oh, vá plantar batatas com o seu dinheiro! Deixe que a natureza desabe sobre mim! Que venha a chuva! Que venha a tempestade! Não, Proserpina! eu não sei explicar o que é literatura! Pare com essa obsessão de explicar as coisas! As coisas são porque são! Eu não quero fazer absolutamente nada! Eu sou o primeiro homem desse planeta que admite que não quer fazer nada! Por que você se surpreende quando digo que quero ficar dormindo até as onze e que não tenho nenhum desejo de me levantar? Sim! quero café na minha cama! Quero geleia com torradas! Quero almoçar nos melhores restaurantes! Eu mereço! Eu mereço tudo isso! Eu não quero título algum! Eu sou um pós-graduado na universidade da letargia e da ociosidade! Sim! grite ao mundo que eu sou um vagabundo! Que eu não faço nada! Que eu não mereço a sua compaixão! Mas não se esqueça dos brioches com a manteiga, por favor! Mande-me um beijo, Proserpina, mais um! outro! eu quero milhões de beijos! quero milhões de beijos seus! Por que você se intimida com este meu approach? Venha e me ame com todo o seu cinismo! Que me importa que você me traia! Eu nasci para ser traído! Fui traído pelos meus amigos! No escritório fui traído! Na escola fui traído! Eu lhe concedo a traição! Traia-me até se exaurir! Até não suportar mais! Traia-me à exaustão! Também se quiser cuspa na minha cara! Vou pendurar uma placa: ´Amiga, CUSPA NA MINHA CARA E TRAIA-ME QUANTAS VEZES QUISER!` Eu lhe permito a abjeção e os atos torpes e pueris! Tudo eu lhe concedo! Permito as suas perfídias e os seus logros! Mande-me logo uma lanterna: sou como Diógenes. No entanto, falta-me aquele barril! Faça um simulacro de nossa paixão e pegue aquele cinzeiro ali! Este cigarro mentolado será que afetará a nossa camada de ozônio? Você sabia que possuímos uma aura que se danifica com as nossas implicâncias? Que me importa que seja segunda-feira, nove e trinta da manhã! Quando nos casamos, você me disse que respeitaria todos os meus desígnios! Eu que não tenho desígnios ou projetos! Que mal há em ficar aqui estirado na calçada vendo esta turba ignara passando apressada? Ah, eu detesto papeis, você sabia... Os papeis poluem as cidades e a nossa mente! Maldito aquele que descobriu o primeiro pergaminho! Por que essa lufa-lufa, essa azáfama nesse lusco-fusco? Se queremos deixar os nossos registros, por que não fazemos como os tiranossauros: enfiemos os pés na lama e pronto! Estes mesmos pés que atolamos em nosso próprio abismo! Agora traga-me café e açúcar mascavo! Obrigado! Também penso que eu deveria cobrar pela minha companhia! Não! não sei quanto vale a minha companhia! Talvez cinco mil dólares! Talvez mais que este café requentado que você me trouxe agora! Quanto você acha que eu deveria cobrar da loja do Sr. Safir, onde compramos aquele colchão? Você começa a perceber a nossa importância neste ciclo? A indústria do tabaco depende dessa minha letargia que você tanto abomina! A indústria do café depende da minha ociosidade que você tanto critica! A indústria açucareira também depende de minha mandriice! Só este sol que carboniza as artérias de meu cérebro é que não me cobra sequer um rate! Sim! eu gosto dessa moda de estrangeirismo! Nós mesmos não somos estrangeiros nesses nossos débeis corpos? Oh, Proserpina, você que gosta tanto das excentricidades de outras cidades e de outros países, por que não se detém um pouco nesse que lhe dirige umas tolas palavras? Todos me acham excêntrico, esquisito, louco! É porque adoro ver este sol e este pássaro. É porque consigo admitir-me insano e mentecapto. Eu vivo da minha loucura! Eu quero empanturrar-me da minha própria loucura! Ah! mas você não é louca! É verdade! Você possui todos os sinais da sanidade e do perfeito equilíbrio! Sim! admito que você seja retilínea em seus pensamentos! Ah, sim! você é pragmática! Bem, você sabe que eu não sei muito bem o que vem as ser pragmatismo! Só sei que a loucura é a sanidade dos deuses! Com a loucura fomos longe demais! Com a nossa loucura construímos esse nosso hospício! Essa Babel de Pisa! Vivemos nos equilibrando esperando que algum deus nos resgate dessa desgravidade! Fazemos o trajeto contrário! Fazemos a recherche de nosso ponto de equilíbrio! Somos uns Prousts loucos em busca de nossos futuros! Sabe que esses assuntos me esgotam, Proserpina? Por que tanta arenga por um falo? Se todos os problemas são fálicos e sexuais, então que façamos sexo até a sua exacerbação! Que aqui sejam as próprias Sodoma e Gomorra! Tire da cabeça esse preconceito de moralidade e bom comportamento! O que todos queremos é uma boa esbórnia! Mas eu pergunto: e daí? E quando acabar o nosso estoque de esperma e lascividade? O que será de nós todos? O que faremos com s nossos quedados falos? E com essas Caixas de Pandoras vazias? Não se preocupe com essa minha abstinência de concupiscência! Acredite no velho adágio: ´melhor o homem que vive só em sua completude´! Não! não preciso de amigos! Esses motorneiros que querem conduzir-me como um bonde velho! Meu trilhos já estão traçados, Proserpina! Devemos, Proserpina, perdoar os nossos amigos por suportarem os nossos achaques e idiossincrasias? O verdadeiro amigo é aquele que não se apresenta! Eu preciso apenas de uma filigrana e uma silhueta! Talvez um poema, uma linha ou um verso! A mim, me bastam os atos minimalistas! Não preciso do perdão dos apiedados! Julgue-me como quiser. Desde que lhe conheci, Proserpina, o mundo se me assemelha a um infortunado paraíso! Os vícios já não os tenho! Hoje o meu único vício é estar atrelado inexoravelmente ao meu próprio corpo! Meu corpo não necessita de entendimento nem de qualquer anuência! Conduzo-me por descaminhos e atalhos tortuosos sem me mover! Por que o movimento? Olhe para aquele sol ali! Veja a sua concessão! Agora veja a loucura da terra girando em seu próprio eixo e o sol lhe observando! Jamais se contraponha a outro movimento! Não vá contra a velocidade da terra! Se ela já se movimenta por nós por que essa celeridade? Fique onde está, Proserpina, e chegará aonde pretende: no nada! Eu aqui estático posso ir mais longe do que você com esse seu andar supersônico! A velocidade do silêncio e da solidão está há anos-luz à frente do que qualquer objeto ultraveloz! Você não percebe, Proserpina? Quem é esse autor que você está lendo, Proserpina? Hoje todos são escritores! Antes o escritor era alguém que possuía supostamente algo a dizer! E por que escrevia? Escrevia porque não havia televisão! Escrevia porque não havia rádio! Escrevia porque havia milhares de analfabetos para poderem não entender os seus livros! Escrevia porque se achava elitizado! Escrevia porque queria mudar o mundo! E agora veja, Proserpina: o mundo continua aí ainda dando as suas voltas! Escrevia também porque se achava solitário! Hoje somos todos solitários! Temos a indústria do papel e da caneta! Temos computadores! Notebooks! Blogues! Faces! Whatsapp! Sites! Todos temos sites! Mande as suas mensagens para o meu site! Somos todos escritores! Hoje todos escrevem! Hoje todos publicam! A grande transgressão é não escrever! Eu não quero escrever nada! Que façamos a antiescrita! Que eliminemos esses drugstores de papeis e crayon! É uma ilusão pensar que nos livros está a ação panaceica do mundo! É uma tragédia quando se descobre que os livros são os mais nefastos exortadores de nossa decadência! Inventemos uma outra forma de transgressão! Até a escrita foi cooptada pelos bárbaros! A escrita foi barbarizada! Hoje o que eu quero é a antiescrita! Traga-me um papel em branco! Ali é que se encontra o maior saber! Traga-me um papel não conspurcado pelas mãos dos homens! Traga-me esse mais digno registro do saber: o nada! Jogue esse livro no lixo, Proserpina! Que os deuses lancem a tempo a sua arca e salvem imediatamente: Artaud, Balzac, Borges e Cocteau! Oh, era de ferro em que vivemos! Oh, universo do soçobro! A indigência é o nosso apanágio! Somos uma Roma decadente! Somos governados pela gula e pela lubricidade! Comecemos a tocar a nossa lira antes deste monstruoso incêndio! Nero caminha pelas nossas ruas! Oh, quantos césares e brutos vejo daqui desta sarjeta! Que me olhem com os seus olhares vesgos de denúncia! Que me levem ao patíbulo então! Lá também terei a calma de que necessito! Do patíbulo enxergamos com maior acuidade as nossas malogradas aspirações! Aspiramos ao nada sempre! O homem de hoje é o mesmo homem de ontem! Mata-se sempre o mesmo homem! Fere-se sempre o mesmo homem! Trai-se sempre o mesmo homem! Nós somos os nossos próprios algozes! Destruímos o outro anelando a nossa própria destruição! O outro é o nosso próprio espelho! É um espelho que não se distorce! Mas tememos encontrar os nossos próprios rostos! No outro vemos a nossa cicatriz! Vemos a estigmatização de nossa queda! Caímos mesmo antes de nos levantar! Rastejamos à procura de não se sabe o quê! Queremos o imponderável! O que não se avista! Não queremos porto seguro! Queremos este mar! Este pélago de deuses desconhecidos! Somos os ermitãos de um planeta sem timoneiro! Nosso deus é o desespero! Estamos tatuados de medo! Somos uns nautas que temem as vagas do mar! Fomos jogados ao mar sem o nosso consentimento! Temos que anuir que não desejamos! Temos que enfrentar o inimigo de perto! Tememos o desconhecido! Por isso nos tememos! Desculpe-me, Proserpina! Mas o hades nos espera! Sim, Proserpina, a inópia tem aqui o seu alcoice! Aqui é a morgue restabelecida da desilusão e do desatino! Daqui os deuses foram expulsos! Só nos restaram restolhos dos deuses sucumbidos! Habitamos o fundo de um mar perdido! Corremos em busca do que desconhecemos e do que tememos desconhecer! Interrompamos essa farsa no meio do caminho para que outro possa recontá-la como se fosse uma nouvelle vie or new age! A novidade esgarçou-se e esta serenidade que supúnhamos ter também se esgarçou! O seu mais rijo estofo foi carcomido pelos vermes do desespero! Hoje maquiamos os nossos flagelados rostos! Escondemo-nos atrás dessas pilastras obscuras! Dessas máscaras: etiquetas, fashion, austeridade, dignidade, cortesia, amour, friendship! Cobrimos nossos corpos desde quando demos o primeiro salto do útero! Queremos voltar ao útero de nossas verdadeiras mães! Mas quem disse que a pátria é a nossa mãe? Somos apátridas e acéfalos! Desconhecemo-nos em nossos próprios territórios e a quem reconhecemos invadimos incontinenti sem nenhuma postergação as suas fronteiras! Somos seres belicosos! A guerra é o nosso fulcro! Guerreamos em nossos próprios lares! Guerreamos no estrangeiro! Guerreamos com o inimigo e com o amigo! Guerreamos com os nossos fantasmas! Guerreamos com o espelho! Estamos sempre barganhando esses nossos corpos decrépitos! Oferecemos os nossos corpos como oferenda! Mas quem se interessa, Proserpina? Oh, Proserpina, aonde vai aquela moçoila de bolsa a tiracolo? Diz que vai ao cinema assistir ao filme que delata as atrocidades dessa megalópole desazada! Diz que o filme nos faz chorar por nos mostrar as misérias cometidas neste interregno de felicidade: dias úteis! Por que chamam esses dias nebulosos de dias úteis se vislumbramos toda a sua inutilidade desde o primeiro tic-tac, quando esse vigilante noctívago nos sacode da cama sem que nos tenha permitido ao menos um leve cochilo? Por que o homem que acorda cedo é mais cidadão que aquele que afunda no mais profundo dos sonhos? Por que despertar o homem que dorme o seu mais profundo sonho? Quem afinal é mais letal para a sociedade¿ O homem que tem as pálpebras fechadas¿ Ou o que as tem bem abertas como uma concha para poder perquerir o âmago de nossas almas e vislumbrar as trevas e os temores de nosso espírito e assim nos invadir como um vírus invade um corpo ainda em convalescença tombando-o antes mesmo de se levantar? Mas a moçoila já chora no cine privê e já tem paga em seu bolso a próxima entrada para a última sessão de cinema! Enquanto aqui fora os atores mambembes vão se consumindo tal qual a sociedade nos consome diariamente! Esse homem aí vai votar, Proserpina! Vai exercer a sua cidadania! O que é ser cidadão num estado de penúria e de indecência? Olhe bem para os seus passos claudicantes! Essa rua por onde ensaia alguns passos é menos íngreme que a sua própria vida! E aí vai ele com o panfleto entre os dedos trêmulos! Vai fumando e soltando baforadas pelo ar! Veja como tosse! Carrega um libelo da liberdade que será a sua própria prisão! Na democracia nos é permitido escolher os nossos déspotas e tiranos! Antes não tínhamos chances de escolha! Agora escolhemos os nossos algozes! Conhecemos a sua biografia! Conhecemos a sua impudicícia! Conhecemos os seus subterrâneos! Conhecemos os seus sete pecados! Um tirano é um tirano! Um tirano não possui máscaras! Quanto menos máscaras, menos ele se expõe! Quanto mais exposta a ferida, menos a chance de escoriações! Perecemos na inocência e na ilusão! Amanhã, Proserpina, esse homem que aí vai estará dando as mesmas baforadas com o cigarro entre os dedos! O libelo e a esperança estarão amarfanhados pelas rijas mãos de um gari! A derrisão, Proserpina, é o nosso gene que se perpetua! Somos seres frágeis. Porque traímos o amor que nos é concedido¿ Somos estritamente intolerantes com a felicidade. A felicidade nos enfadonha. A felicidade enfara mais que o tédio e a solidão. A felicidade nos paralisa. Ficamos atônitos ante a mansidão que se nos apresenta. Por isso, não tardamos em nos tornar imediatamente infelizes. Na realidade, jamais intencionamos em atingir os nossos objetivos. Vivemos da ilusão. O amor nos ilude. O trabalho nos ilude. A doença nos ilude. A dor nos ilude. A ausência nos ilude. Estamos constantemente à procura do outro. Do seu oposto. O oposto é o que nos atrai. A chegada é o fim. Não o fim da chegada. Caminhamos... Mas não queremos chegar. Queremos caminhar... Mesmo que cansados e extenuados. Pedimos socorro. Mas não queremos o socorro excessivo. Horroriza-nos ver o que sabemos existir. Brincamos de não chegar. Por isso, esse labirinto que nos concebemos. Chegar é se descobrir. Traímos o amor concedido, porque sabemos ser os seus não merecedores. Nisso ao menos temos dignidade... Veneramos a hipocrisia. Ardemos por um bom tirano. Se pudéssemos, não hesitaríamos em coloca-lo à mancheia em nossos púlpitos. Tememos nos autogovernar. Somos incompetentes nesse empreendimento. Escolhemos para o Conselho Do Estado corruptos e devassos como nós temos sido por todos esses séculos. Somos estupradores vetustos. Somos açambarcadores incorrigíveis. Somos emuladores da rapina pública e privada. Fazemos aliança com a maledicência. Extorquimos os pobres de espírito. Somos acachapantes em nosso modo de nos curvar. Temos mais corcovas do que mil camelos ou três mil dromedários. Exultamos quando recebemos vergastadas de nossos líderes. Os vizires carregam consigo aquilo que alimentamos esconso em nossas almas. Por isso a não indignação. Por isso esse gozo perpétuo quando somos ludibriados. Oh, século do ludíbrio! A falsidade tem aqui a sua morada! Veja como o meu universo contrapõe-se ao seu universo que aí está! Com um senão: todos giramos em torno do sol. Mas temos interseções diferenciadas! Embora eu desconheça o tempo que me acompanha, tenho uma atitude lúdica e pueril com o universo! O meu hoje não é o seu hoje! Talvez seja o seu anteontem ou amanhã! Quando você me pede para hoje, não sei se é para hoje ou para amanhã! O meu mundo é de mim mesmo Plutão! Translado em torno do sol num período de duzentos e quarenta e oito anos! Assim se explica o nosso desencontro! Sim! Você é terráquea! Esfera cósmica da cor do azul de Medellín de h. fields com os seus papagaios taquaras que curruparlam vozes concretas dissonantes e de smart esbeltas blondes que pedalam álacres alegres pelos canais de Amsterdã! Eu sou Plutão: gelo! Os granizos dos deuses desabam em cubos cilíndricos sobre a minha cabeça, quando caminho distraído ou piloto máquinas-ícaros pelas highways congestionadas rememorando versos ou retalhos de versosprosas bem acompanhado de uma poetlouca semilouca maisquesana quebacana da minhamesmaetnia q para os néscios qpure ironia trata-se de esquizofrenia pois a perseguem on might and de dia and chamam-na de maladia! Eu sou Plutão que escalda sob esse sol! Eu sou a sublimação! Enquanto o cachorro late sozinho no quintal e os pássaros gorjeiam sobre as árvores, os homens dormem! Veja que paz! Ouça o silêncio desses buracos negros! Não! Deus não necessita desses homens que já intentam um bocejo ridículo! Um já se vira sobre a cama! Outro esboça uma reação! Um outro procura por suas pantufas debaixo da cama! Um outro tenta desesperadamente vislumbrar as chaves de seu Land Rover última geração! Já se sente o rompimento do silêncio! As turbinas das fábricas encetam o seu aquecimento! Ao fundo ouvem-se os primeiros roncos dos motores! Já se sente também o rompimento do equilíbrio! Um marido mais aflito pede à esposa o seu perfume Chanel número 35! Ela, solícita, espage-o sobre o seu dorso e passa gel sobre os seus cabelos! Ele ajeita a gravata! Ele prima pela elegância e garbosidade! Ela ainda retém a febre do sexo não praticado! Espera por este propalado orgasmo! Os seus baixos lábios queimam como brasa! O seu desejo é extirpar esse fogo pétreo! Mas as baixelas entravam o seu caminho! Ele com a sua Land Rover pega a estrada da ilusão! Sim, Proserpina! Somos uns vencidos! Veja aquelas duas mulheres que ali vão de mãos dadas! Impossível conciliar duas mulheres! Já se odeiam antes mesmo de se cumprimentarem, pois já sabem que na outra mulher estão incorporadas todas as outras mulheres do mundo! A antipatia e o desprezo de uma pela outra são a sua marca registrada... Mas tergiversam... As mulheres veem nas outras as Macbeths incorporadas umas nas outras... Umas leem nas outras todos os males que lhes acompanham! A avareza! A posse! A ironia! O coquetismo irrefreado! A luxúria! A inveja! O descontentamento material! Que haja três! Dez! Milhares de guerras e revoluções! As mulheres continuarão odiando e odiando a si mesmas! Projetando seus ódios em outros corpos femininos! Veja como umas observam as indumentárias das outras quando passeiam pelas ruas! São ladies ou andrajosas ou ainda meninas de seios empinados! É o ódio que carregam consigo! E onde guardam todo esse aparato de maledicências¿ Você não percebe que elas possuem tudo em formas conchavadas¿ Deus deu-lhes as côncavas para que pudessem guardar todos esses males! São inúmeras bolsas que carregam! Sem falar no côncavo dos mais côncavos que carregam no baixo meridional! E nós, homens astutos em perceber abismos, mergulhamos nessas crateras labirínticas e nos enleamos neste cipoal de desilusão e amargura! Nós, Proserpina, homens babaquaras, somos peritos em desbravar abismos! Sim! Não se espante, porque sou eu Plutão o não misógino quem lhe diz que está é a nossa mais antiga especialidade! Homens empunhando bandeiras invadem o parlamento e depõem o déspota esclarecido! A população vai às ruas em forma de regozijo comemorar a sua deposição! Aos quatro ventos a boa nova é noticiada! Os czares tremem ao perceber que a massa se insufla e se amotina! Recrudesce a ira nos olhos da plebe! Antes pediam pão, circo, poesia! Mas note, Proserpina, como está transmutada essa sociedade de ébrios! Dê-lhes os quinze minutos de Andy para que se atenue toda a iriidiscência de um clamor! A malta não tarda em escolher um sucedâneo à altura do czar deposto! Trata-se apenas de um jogo de substituição bem engendrado pela ignorância da massa que não enxerga além de suas pestanas! A massa é astuta em escolher os seus tiranos: seja em Belgrado, Bucareste, Havana, Lima, Bogotá ou Brasil! Lá naqueles pequenos trópicos, Proserpina, os automutiladores se sustentam dos seculares úberes europeizados! Lá viceja a automutilação! Responda-me, Proserpina, o que seria dessas Américas, Áfricas e Bálcãs sem este cálice azedo da autoflagelação... Responda-me se puder!!! Políticos e artistas estupefatam-se diante de uma escultura, um quadro ou um belo livro de sonetos. Nos vernissages conversam e detalham todos os aspectos eloquentes do pensamento inserido nas obras de arte. Esmiúçam as mais recônditas ideias. Falam da laicização. Falam do profano. Argumentam sobre a estilística contemporânea. Engendram loquacidades não intencionadas pelo artesão ou poeta. Vão do chinfrim ao magnificente. Atomizam-se ante a deformidade das linhas de um cubista. Dobram-se ao verso escandido irregularmente . Projetam a dissidência de um movimento. As taças de champanha transbordam nas mãos dos honoris causa do pensamento. Resgatam Weber e Durkheim ou pedem socorro a Mauss. Seus próprios pensamentos não se alicerçam sem um fundamento embasado numa dialética sufragada pela erudição. Alguém tem que falar por nós, Proserpina. E eu lhe falo: necessitamos de mitos. Necessitamos da corroboração de nosso pensamento para que possamos caminhar livres pelas obscuras sendas do irreal. Para que possamos suportar esse mundo de semiverdades e de aparências que nos circunda. Esse mundo da não verossimilhança. Fora dos vernissages nem tudo nos é permitido. Interditos são certos achaques ou comportamentos. Por isso, Proserina eu lhe dou esse mundo de Hades. É nele que poderemos transitar livremente... Ouço o silêncio inamovível da natureza, Proserpina! Às vezes, não temos ouvidos suficientes para suportar os seus silêncios. A música nos transcende, deslocando-nos de nosso ponto de absorção do nirvana. A paz nos inquieta como a própria guerra. Suportarmos os nossos corpos é o caos mais feroz. Rolamos nos colchões à procura de um desequilíbrio. Não suportamos o silêncio concertado. Logo tratamos de esbravejar e soltar nossas invectivas. A arte existe para nos dar um equilíbrio onde não possuímos. Não precisamos da escultura, música e poesia confinadas no salão de um conde mecenas. A arte nos serve apenas como um placebo. A arte só é arte fora das sendas da arte. A arte só é arte nos valhacoutos, trincheiras e senzalas. Leia um poema ou ouça uma música, Proserpina! Quando estiver na vanguarda de uma infantaria (na linha maginot) você reconhecerá o valor incomensurável da música e da poesia. Ali, sim, você barganhará todos esses reles bens que possui. Perto da Normandia, clamará por Heine e Mozart. Quando estiver sem generais ou comandantes, sei que pedirá uma sonata de Beethoven. Só quando nos despirmos dessas tralhas neomodernas... Só quando não couberem em nossas garagens todas essas frotas ou todos esses laptops sobre nossos racks é que pediremos um quarteto de cordas ou um dístico qualquer. Mas, por enquanto, prefiramos esses gritos do cotidiano. Essas óperas desafinadas que jamais nos compreenderão. Palavras de seu deus: Plutão! Você me pergunta onde está a felicidade e não tarda em procura-la por todos os cantos! Vai às loja! Vai aos shoppings e empanturra-se de sapatos e chemises de soie! Faz centenas de solicitações aos deliveries e os deliveries fracassam na consecução de seus desejos! A felicidade brica de se esconder de você! Você é mulher fina...sagaz! Mulher galvanizada na aristocracia! Você exibe todos os seus dotes de mulher refinada! Mas a felicidade vai lhe escapando como um azougue entorpecido! Você vai se diluindo na busca irrefreável do inefável e do idiossincrático! O seu desespero é que você não pode embebedar-se dessa cicuta dos deuses redimidos! Não adianta revirar as gavetas de sua consciência! Lá não encontrará a felicidade! Compreenda: a felicidade é uma mônada em diáspora! A felicidade é um mosaico composto dos estilhaços de seus antepassados! Perceba que é nesse mosaico de tragédias, comédias e aflições que se compõe o seu filão de felicidade! Uma mônada não se retém entre os dedos frágeis do agora e do açodamento! Você me pergunta onde está felicidade e eu calado não posso lhe responder! Bem, Proserpina, sinto-me cansado, por isso lhe escrevo esse último telegrama. Acho que os deuses estão conspirando contra nós! Vejo daqui se assentarem nos céus legiões de dilúvios! Toda a infantaria está preparada! Nada sairá incólume desta vez! O atlântico já eriça o seu azul! O mar mediterrâneo tenta escapar por Gibraltar, mas se afoga na sua mais funda epiglote! Vejo o mar vermelho se incandescer mais uma vez! A Palestina tenta em vão hastear a sua bandeira! Os semitas tentam também em vão retornar a Canaã! A Síria e a Cisjordânia arremessam as suas pedras! O Líbano está semiflagelado! Da Grécia não avistamos nem Cnossos! O Chipre flutua em direção à Istambul! Os amotinados em Havana pedem socorro a Moscou, mas Moscou se fecha antes do desmoronamento total! Portugal e Espanha já não ostentam mais as suas caravelas! A França entorpece-se com os seus filósofos iluministas! Mas a guerra e o ciclone não preterem ao diálogo! A Alemanha tenta de todas as formas menear as suas ogivas! A Alemanha é persistente mas não visionária! A Alemanha só consegue enxergar o seu próprio umbigo! A Alemanha pertenceu e pertencerá aos Bárbaros! Mesmo Schopenhauer era prussiano! Até os seus líderes e grandes virtuoses são os seus mais astutos vizinhos! A Alemanha quer permanecer unida! A Alemanha quer unir-se à Austria e à Hungria, porque sabe onde está o seu baluarte! Bem! E a Suíça é a fiduciária de todos esses inimputáveis assaltos! Oh, Proserpina, corra e pegue o guarda-chuva, pois já sinto o primeiro tilintar no copo do desespero e da aflição! A taça transborda e entorna a sua baba de cólera e de loucura! Tire dos colchões aqueles dízimos amealhados por todos esses anos e acerque-se de mim! Venha comigo para a calçada! Os Granizos dos Deuses já vêm caindo! Contra eles nem os demônios de Wall Street resistirão! Oh, Proserpina, a inocente África não percebe que o mundo será dela! Ouça, Proserpina: só o Lesoto e a Suazilândia resistirão! Nas Áfricas, os Granizos dos Deuses descerão derretidos! O fogo da África finalmente brilhará! Berlim estará sucumbida! Comecemos a falar o sesoto e o sisuati! Sente-se aqui comigo na calçada, pois nenhum de nós terá a indulgência! O planeta enregelece e eu não quero ficara aqui sozinho na calçada observando os Granizos dos Deuses caindo sobre a minha cabeça! Saiba, Proserpina: Plutão não poderá sobreviver sem você, se nos sobrevierem essas enxurradas de mortes! Evoé! Baco! Amém!

Comentários

Postagens mais visitadas