OS GRANIZOS DOS DEUSES
oh, proserpina,
gosto de ver o sol
surgir no oriente
e não me venha
com as suas ideias
de velocidade.
não! não!
eu quero ficar
aqui plantado
vendo a terra
fazer a sua
translação.
como eu vou
fazer para me
sustentar?
você sabia
que a palavra
trabalho vem
de tripaliare
que significa
instrumento
de tortura?
sim!
eu me nego
a fazer
o seu negócio.
como eu vou
ganhar as
minhas
moedas?
a minha moeda
é a generosidade.
eu efetivamente
não nasci
para ficar teclando
uma máquina inventada
no século passado
nem pilotando
um fogão
ou dirigindo
um aspirador
de última geração
por que você
não admite
que me quer ver
bem longe
de você?
por que eu lhe causo
tanto asco assim?
por que nós não nos
suportamos?
foi para isso
que inventaram
o trabalho,
esse calabouço
com cartão de
ponto e intervalos
dominicais?
ora, proserpina,
pare com essa
esquizofrenia
barata! você sabe
que o trabalho
não é necessário
e que não enobrece
o homem.
eu particularmente
inverteria
esse bordão obsoleto
que diz que
o trabalho
enobrece o homem!
veja,
trabalhamos
há sessenta e
três anos
e o que
vemos?
vemos essa nossa
nobre mendicância.
saia agora
da minha frente
pois você está tirando
a minha luminosidade.
não, proserpina,
eu não saberia explicar
o que é a arte.
são tantos ensaios
e discussões.
a morte
eu também não
sei explicar.
por que você
insiste nessa
ideia nefasta
de me alocar
numa corretora
de valores?
você sempre
me diz que é
pra ganhar dinheiro,
que precisamos ganhar
dinheiro,
que ganhar dinheiro
na vida é tudo.
que dinheiro
que dinheiro
que dinheiro
que isaurinha
casou por dinheiro.
oh, vá plantar
batatas com o seu dinheiro!
deixe que a natureza
desabe sobre mim!
que venha a chuva
que venha a tempestade!
não, proserpina!
eu não sei explicar
o que é literatura.
pare com essa obsessão
de explicar as coisas.
as coisas são
porque são.
eu não quero fazer
absolutamente nada.
eu sou o primeiro homem
desse planeta
que admite que não quer
fazer nada.
por que você se
surpreende quando digo
que quero ficar dormindo
até as onze
e que não tenho
nenhum desejo
de me levantar.
sim! quero que você
me sustente.
quero café na minha cama.
quero geleia com torradas.
quero almoçar nos melhores
restaurantes.
eu mereço!
eu mereço tudo isso!
eu não quero
título algum.
eu sou um pós-graduado
na universidade da letargia
e da ociosidade.
sim! grite ao mundo
que eu sou um vagabundo
que eu não faço nada.
que eu não mereço
a sua compaixão.
mas não se esqueça
dos brioches
com a manteiga.
por favor!
mande-me um beijo!
proserpina, mais um!
outro! eu quero milhões
de beijos!
eu quero milhões
de beijos seus!
por que você
se intimida
com esse meu
approach?
venha e me ame
com todo
o seu cinismo!
que me importa
que você
me traia!
eu nasci para ser
traído!
fui traído
pelos meus
amigos!
eu lhe concedo a
traição!
traia-me até
se exaurir!
até não suportar
mais! Traia-me
até a exaustão!
também se quiser
cuspa na
minha cara!
vou pendurar
uma placa: amiga,
cuspa na
minha cara
e traia-me
quantas vezes
quiser!
eu permito-lhe
a abjeção
e os atos torpes
e pueris!
tudo eu
lhe concedo!
permito-lhe
as suas
perfídias
e os
seus logros!
mande-me
uma lanterna!
sou como diógenes!
no entanto falta-me
aquele barril!
faça um simulacro
de nossa paixão
e pegue aquele
cinzeiro ali.
este
cigarro mentolado
será que afetará
a nossa camada
de ozônio? você não
percebe
que a sua
chatice
está afetando
a minha
camada de ozônio?
você sabia
que possuímos
uma aura que se
danifica
com as nossas
implicâncias?
que me importa
que seja
segunda-feira,
nove e trinta
da manhã!
quando nos
casamos,
você me disse
que respeitaria
todos os meus
desígnios!
eu que não
tenho desígnios
ou projetos!
que mal
há em ficar
aqui estirado
na calçada
vendo esta turba
ignara passando
apressada?
ah! eu detesto papéis
você sabia? os papéis
poluem as cidades
e a nossa mente.
maldito aquele que
descobriu o primeiro
pergaminho. por que
essa lufa-lufa essa
azáfama nesse
lusco-fusco?
se queremos deixar
os nossos registros
por que não fazemos
como os tiranossauros?
enfiemos os pés na lama
e pronto. estes pés que
atolamos em nosso próprio
abismo.
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