Jornalismo

 Sou formado em jornalismo. Mas nunca atuei num jornal. Formei-me nem sei por que motivo. Como eu gostava de futebol, optei por jornalismo. Talvez para suprir o meu sonho de ser jogador de futebol. Mas dista tanto tempo que nem sei o motivo mesmo. Fiz jornalismo na umc. Uma porque não passei na usp. E eram essas as únicas opções para um capiau da vila ré como eu que só gostava do corinthians e de jogar bola. Eu não gostava nada nada de estudar. Eu lia, se lia, só o frontispício do jornal afixado na banca lá da vila granada. Mas nem sei como se deu o vestibular  na umc. Consta que fui classificado em trigésimo terceiro lugar. A umc é longe daqui, imagine nos anos 80. Precisamente no ano de 1980. E foram viagens naqueles trens abarrotados de estudantes que eu ia todo dia - mas nem ligava para as aulas, como já tive oportunidade de relatar aqui em outros posts. Eu ia lendo alguns livros que a Editora Brasiliense lançava. De modo que a minha faculdade foi a Brasiliense, as revistas, os jornais e não a umc. Eu lia no trem, indo para a universidade e voltando da universidade e depois em casa até uma ou duas da manhã e depois logo pela manhã voltava a ler nos ônibus lá pelos cinco ou seis da manhã. Li Kafka, Sartre, Simone de Beauvoir, Camus, a Folha de São Paulo, Veja e até bula de remédio. Foram momentos de muitas leituras. Principalmente literatura contemporânea da época, clássicos como Balzac, Tolstoi, Dostoievski etc e muita política. Em dois anos eu já discursava melhor que hoje - se querem saber. Ou seja, me lembro de um dia que me peguei lendo no fundo da sala de aula e um aluno me dizendo que a aula tinha acabado e que eu ia perder o trem. Lembro-me também que eu descia para tomar um café no intervalo e que subia rapidamente para continuar alguma leitura. Eu nem frequentava as aulas de redação nem nada. Não me recordo de nenhum professor nem de colegas. A não ser de alguns colegas que pegavam o trem comigo. Li quase tudo dos Primeiros Passos e uma mancheia de livros e jornais, principalmente a Folha de São Paulo. Lembro-me que ficava sabendo das provas no dia. Alguém me dizia assim: você estudou para a prova de sociologia? E eu redarguia: mas que sociologia? Ou: você preparou o trabalho de rádio? E eu respondia com outra pergunta: mas qual trabalho de rádio? Ou seja: não fazia absolutamente nada. Eu acho que nem caderno eu tinha. Eu tinha livros. Ah, isso  eu tinha. E não era um somente. Eram vários. Era uma biblioteca ambulante. Só sei que certa vez tive que fazer às pressas um programa de rádio. Lembro-me que estava na seguradora onde eu trabalhava. Era hora do almoço e me pus a inventar uns diálogos com um monte de LP que eu colecionava. Tinha de Djavan, Chico, Gil, Caetano, Alceu Valença. E eu inventava patrocinadores e colocava música. Inventava notícias: roubos, festas, assasssinatos e colocava música. Esse era o meu script, só para me livrar do trabalho final. Sei que cheguei na universidade e me indicaram o estúdio que eu nem sabia onde ficava. Houve um colega que tinha uma família suicida que me ajudou me dando os sinais da locução. Sei que fiz o trabalho e gostei da brincadeira. Nem sei como entreguei a fita. Era uma fita cassete. Dizem que o professor era da Jovem Pan. Chegando na Vila Ré, lá pelas onze horas, parei no bar do gérsão que era o meu point e mostrei para uns colegas que colocaram a fita no casset de um fusca. Recordo-me que os caras gostaram pra caramba. Talvez pela minha voz que é forte e que muitos já elogiaram e até hoje elogiam. Mas nunca atentei para isso. Podia ser um radialista como me dizem até hoje. Sei que estou formado por uma universidade que nunca me envolvi a contento. Fiz sim a Faculdade da Brasiliense. Recordo-me ainda que fui com o meu colega Geraldo fazer a minha colação. Lembro-me muito bem da assinatura e do orgulho da minha formação acadêmica. Após a minha formação, entrei num processo depressivo, porque queria trabalhar num grande jornal e continuava a trabalhar numa seguradora de pelegos para a época. Hoje, todo mundo é revolucionário e progressista! Arre! Dali em diante nunca mais parei de estudar. Ou seja, sempre fui um aluno virtual. Como se diz: estou lá, mas estou sempre por aqui, principalmente com os meus livros. Eu fui, com efeito, talvez, o primeiro aluno virtual que apareceu na história desse nosso Brasil; se é que me faço entender... Se eu tivesse entrado na usp, sinceramente, não sei o que seria de mim nem daquela minha parca biblioteca...

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