O COLÓQUIO DE SILS-MARIA

 
























wilson luques costa


























2013


literatura brasileira


século xxi






















Um dos senhores poderia nos dizer do que se trata esse objeto que Subjaz nesse distinto leito? 
Oh, meus caros senhores! 
Saibam que não vim aqui para tais reflexões. 


Na verdade, posso afirmar com total segurança que foi a minha


Querida Xantipa que me exortou a um caminhar peripatético, já que

Me encontro tendo dores terríveis em meu abdome, em face de uma argia que vem se acometendo sobre mim nesses últimos dias. 

Mas posso, contudo, quase que afirmar que vejo nitidamente a areté.

Isso é tão evidente para mim como as estrelas e a moral de Kant.


Oh, meu caro amigo! 
Vê se para com essas insinuações à minha pessoa.

Tenho evitado ultimamente discorrer sobre qualquer possibilidade.

Há dias que não pratico o onanismo, e isso tem-me deveras o meu raciocínio. 









Os senhores sabiam que o esperma acumulado por mais de três dias cria uma disfunção neural, que nos incapacita para a total reflexão? 

Por isso abstenho-me de qualquer dóxa 
Acerca do que quer que seja. 










Bem, sendo dessa forma, eu não veria outra possibilidade, senão a de chamarmos de imediato um iatrós de Atenas, porquanto vejo que a doença se abate de tal forma nessa casa, que seria quase que Impossível seguirmos com esse simpósio secular.











Vejo que Parmênides traz em suas mãos alguns fragmentos e que apesar de sua imobilidade, parece-me que teria muito a nos dizer.

Sabemos que não foi fácil a travessia do rio de Heráclito.

Sabemos também que no Estígio quase soçobraste, mestre Parmênides.

É verdade? 








Diga-nos também se há uma verdade, mestre Descartes? 













Primeiramente, considero haver em nós certas noções primitivas, as quais são como originais, sob cujo padrão formamos todos os nossos outros conhecimentos.












Bem, vejo que fez bem a mestre Descartes as águas temperadas da Holanda. 

Mas não consegui até agora compreender a vossa explicação acerca do objeto que subjaz à nossa frente. 











Acho que, por Zeus! 
Mestre Bacon! 

Tu não deverias falar assim de mestre Descartes. 

O senhor sabe muito bem que a sua vida pregressa não foi um órganon perfeito, caríssimo Bacon.

Pesam suspeitas sobre o senhor, caríssimo Bacon de uma tal malversação; sem falarmos que Shakespeare anda muito triste com o senhor. 







Ora! Ora! 

Deixem Bacon em paz.

Bem sabemos que Aristóteles já tinha desenvolvido o seu órganon, mas não devemos desconsiderar o belo esforço de Bacon em nos possibilitar esse acepipe maravilhoso. 

Oh, mestre Bachelard, pare de pensar 
somente em guloseimas. 

Vê se a chama de tua vela 
ilumina um pouco esse excêntrico companheiro. 


Nossa, mestre Cioran, suas palavras têm veneno! 

Não, meu dileto poeta, há veneno na taça da maldade desses falsos poetas-eruditos! 







São criançolas que tentam falar de filosofia!

Mas nunca nos consolam!

Sua Fala é evasiva! 

Seus discursos caem no sumidouro, porque não têm conteúdo. 

São narcisos inconsoláveis! 
Não é a poesia que os une num universal, mas sim a nosomania ou outros vícios com interesses gratuitos.



Nada. 
Nada. 

Nada tem valor nesse mundo. 

Nossa, mestre Schopp, deve ter bebido de novo. 

Como ? 

Não compreendemos! 






Há que sempre retornar a manhã? 

Nunca findará o poder terrestre? 

Oh, meu jovem Ananias Novalis! 

Parece-me que ainda reténs em teu honrado coração a esperança! 

Canta-nos mais uma canção, grande poeta! 

Agora sei quando será a última manhã... 



Quando a luz não mais afugentar 
a noite 


E o amor... 

Mas você é um grande imbecil, Novalis! 


Faltam-lhe a capacidade e o discernimento de um amanhã que não Terá chegada... 







Só a dor é real... 

Só a dor é real... 









Quem é esse que adentra o recinto 
e temos a grande honra de receber? 
A pragmática de Cassirer, com o Entwicklung de Brentano, possibilitará a efetivação do modus em detrimento do Gliderung da sfística estamental de Freiburg...pois o erro do kantismo... 








Dê-me a palavra! 

Pois posto isso: 

A saber: 

Caro Jüngen Habermas... 

Liberdade e Deus... 

Coisa última... 

O eu como absoluto... 

Não eu... 

O eu é o intuído por si próprio... 

Como ação... 

O pensamento vem depois... 

Sujeitos ativos... 

Objetos de ação... 

Determinismo racial... 

Ayia... 

Culmina no sujeito-objeto cognoscente... 

Pois em Freiburg... 




Quem é esse idiota que está falando 
o meu nome em vão? 

Como mestre Hegel? 

Trata-se de um pós-Doc de Cisplatinuquim! 

Mande esse imbecil para fora agora... 

Devolva à sua senzala provinciana... 

Mas é uma eminente figura que sabe discorrer com maestria... 

E mande também esses servos que lhe acompanham... 

Oh, cambada de fariseus... 

Como podem saber de meu sistema? 

Se meu sistema é dialético 

Como poderá adentrar figura tão tacanha?! 

Rasgue esse título de merda... 

Glghhhhhhh!!!! 




E por que não fala bem a sua língua... 

Hein, reles papagaio? 

Por que gosta de mimetizar a língua alheia? 

Não lhe deram uma glotta bem afinada, não? 

Tu me pareces mais um gigante psíttacus.... 

Ahhhhhhhh!!!! 

Onde aprendeste 
A assoviar assim? 

Saia agora 
Seu energúmeno! 

Fora com o seu discurso... 

Dê-lhe a cova devida 
Meu querido Bataille... 










Penso, logo existo 

Existo logo, penso 

Penso que não existo 

Que não existo penso 

Penso 

Penso 

Penso 

Penso que penso 

Pensaria 

Mas não penso mais 
Mas se eu pensasse 
O que seria do pensamento 

Penso não penso 
Penso que pensopensopenso 


Pelo visto 
Mestre Descartes enlouqueceu de vez... 

Não seja tão irracional 
Com mestre Descartes... 

Mestre Descartes deve separar tudo de forma bem alva... 

Não nos torne difícil o pensamento 
Mestre Descartes... 


Cogito 

Ergo 

Sum 

Sumergo cogito 

Ergosumcogito 

Da-sein 

Dada-sein 

Olá H... 

Por que mestre angústia... 


Desculpe-me... 


Mestre Heidegger está tão feliz hoje? 

Pelo jeito o casal vem retornando da Floresta Negra... 

E o lobo mau 
Não comeu ninguém? 

Ou comeu? 




H... ! 

A senhora 
Poderia nos falar 
Acerca desse objeto que subjaz... 

Bem... 

Ele tem sete centímetros e meio quando ereto... 







Não é isso que lhe pergunto, sua idiota ! 

Estou falando do processo fenomenológico... 

Do phainestai... 

Bem... 








Para falar a verdade... 

Eu não acho assim tão universal... 

Já vi universalidades maiores... 

Por exemplo... 

Demóstenes tem um tratamento oral elevadíssimo... 

Sem totalitarismos... 






Por favor... 

Isso aqui está uma bagunça... 

Nossa! 

Nem parece um colóquio universal! 

Retornemos à pura filosofia! 

A questão de potência-ato 
Será explicitada por Lukács... 

Abstenho-me 
Senhor 
De qualquer explicitação... 

Só falarei na frente de meu 
Querido Walter Benjamin... 


A dialética negativa não nos permite... 

Eu posso explicar o processo de 
Ato-potência... 











Então com a palavra 

Merlau- Ponty... 

Bem... 
Bem... 
Sabe... 

Bela explicação de Merlau... 







Agora... 

Por favor... 

Popper... 

Bem... 

Mas... 

Se... 

Parabéns... 
Popper...





Agora com a palavra... 
Barthes... 

O discurso... 
Todo discurso é tirano... 










Passemos a palavra para Althusser... 
Bem... 

Sistemas ideológicos... 
Os aparelhos... 









Muito bem! 

Agora Meyer... 

Quem? 

Meyer... 

Quem? 

Meyer, caralho! 

Meyer... porra... 

Vocês não conhecem o Meyer? 

Prazer! 

Muito prazer! 


Proudhon! 
Proudhon! 

Na verdade 
Não se trata de destruir o Estado... 


Hobbes... 

O Leviatã... 


Feuerbach... 




Muito bem! 


Discordo! 


Protesto! 


Kelsen! 


Lucrécio! 


Luhmann! 

Maimônides! 


O próximo! 


Hume! 


Górgias! 


Viva! 
Ficino! 




Pelo que noto 
Senhores 
Meus companheiros 


Acho que darei por encerrado 
Esse simpósio milenar... 


Os senhores filósofos 
Foram incapazes 
De nos falar 
Sobre o objeto que 
Subjaz à nossa frente...




Claro que podemos! 

Evidente que sim ! 










Eu tentei explicitar de todas as formas... 


Silêncio, senhores! 


Silêncio! 


Lamento informar mas o 
Colóquio de Sils-Maria está encerrado! 



Ahhhhhhhhhh!!!!! 


Ohhhhhhhhhh!!!!! 


Uhhhhhhhh!!!!!!!! 


A verdade... 
Senhores... 






A verdade... 

A verdade... 

É o que subjaz! 


Ohhhhh! 

Ohhhhhh! 

Não pode ser! 


Sim! 

Sim! 


Meus caríssimos filósofos! 


Silêncio! 


Silêncio! 






Nós 
Os filósofos 
Assassinamos a verdade! 


Oh! 

Uh! 


A verdade... 
Caros companheiros e metafísicos 

A verdade... 
Já cheira à necrose! 


Oh!!!!! 
      

Uhhhhh!!!! 


Sim! 


Sim! 






Enterremos 
De vez 
A verdade ! 



Dez mil mentiras 
Valem mais que uma VERDADE! 







Viva os mentirosos! 

Viva! 

Viva os homens dotados da mitomania! 

Viva! 







A mentira precisa 
De mil testemunhas! 

Sim! 

Sim! 









Somos os arautos da mentira! 












A única verdadeira verdade é a mentira! 
O engodo! 

Oh!!!! 
Uh!!!! 
Oh!!!! 
Uh!!! 








E o que fomos 
Na verdade 
Nesses últimos séculos? 











Sim ! 

Darei 
Oh mentirosos! 
Um último brinde à mentira! 










Oh, mentira! 
Filha bastarda 
Da deusa falácia 
E do deus sofisma! 










Ó eternos deuses 
Da falsidade ! 












Vós que sois também 
A única verdade 













Oh, 
Salvai-nos! 

Salvai-nos! 


A nós, 
Os verdadeiros e únicos mentirosos! 







Salvai-nos! 
Salvai-nos!



















Fim












Wilson Luques Costa 

2013




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