ODE URBANA

 Ode urbana / Cidade dos Bárbaros



Os chafarizes jorrando seus espectros de luzes e de águas semilímpidas

O farmacêutico organizando a prateleira sob o olhar auscultador de seu patrão

O ponto de ônibus ou lotação à espera de um suposto boêmio

Egresso dos balcões encardidos ou expulso dos subterrâneos lupanares

Onde se congrega uma massa ímpar de intendentes moçoilas supostas secretárias bilíngues

Negros brancos amarelos supracores alforriados momentaneamente

De suas senzalas verticais 

Assaltos aqui e ali com gritos desafinados

Súplicos que ecoam no vago e esboroam-se em um oleoduto

Que jaz na beira de um córrego qualquer 

A linotipo cansada

De meandros sutis e de interessadas e interesseiras

Chantagens alcoviteiras 

A luz mercúrio que ilumina o cobertor enlamaçado

Que cobre um mendigo pós-moderno 

E um gato siamês defenestrado

Por um vate alucinado 

A sombra escondendo-se na plena escuridão

Das madrugadas 

Doses cavalares de aminoácidos 

E um coquetel estuante de açúcares

Verdadeiras morfinas imensas 

Beijos escalafobéticos com penetrações obsessivas

Com obsequiosas condescendências 

Que vão da boca e dos lábios lânguidos

Até as coxas quase que putrefatas 

De tanto tesão 

Onde o plasma escorre

Entre as pernas de meninas punks 

Ou nas varizes túrgidas de septuagenários

Que se equilibram à base de loções panacéicas 

Importadas das alfândegas

Distraídas dos portos de estivadores 

Ou lumpemproletários 

Autênticos

Vicários sazonais 

Ou pícaros que se desdobram em desfazer

O elogio da preguiça de Lafargue 

Genro do antidextro Marx

Verdadeiro bíblico de nossos tempos com seus 

Heterortodoxosdissidentes

Sob a neblina densa 

Um ônibus hiperlotado 

Com penduricalhos humanos

Corta a sonolenta madrugada 

A primeira lâmpada se apaga

         à primeira paga ao 

Cobrador eletrônico 

É manhã todos dormem

Ou acordam ou sacolejam 

Lendo revistas amarrotadas

E jornais maculados de 

Gelvermelho 

Esbugalhados olhos

Com linfas ensanguentadas lacrimejam 

Na mansão uma loira oxigenada

Amante de seu segurança 

Limpa o esperma de baixa estirpe

Esquiva-se pois para ela 

A eugenia deve ser preservada

Os caixas eletrônicos enfileiram-se 

Para pagamentos de contas

Ontem postergadas 

O sol olha para a lua 

A chuva sustém-se

Em forma de nimbogris 

Uma gota lânguida respinga no azulejo embolorado

Na praça um menino espreguiça-se 

Olhando para uma pipa degradê

No trigésimo andar de um edifício qualquer 

Um suicida paulistano

Espana a sua última caixa de Lorax 

O eficaz e derradeiro antidepressivo

Destes nossos intermináveis 

Dias engarrafados...      




                   


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