Entrevista com um escritor nativo da ZL de São Paulo - Luiz Roberto Guedes
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1 - Fale de você: onde nasceu? qual formação? onde vive? o que faz?
R), Nasci em São Miguel Paulista, distrito de São Paulo,que foi um bairro fabril, povoado por migrantes brasileiros e imigrantes europeus, como russos e lituanos. Minha formação se deu na prática, em publicidade e jornalismo eventual. Moro hoje na Penha, no apartamento que foi de minha mãe. Redator publicitário há mais de 40 anos, ainda faço trabalhos nessa área e em marketing eleitoral. Na área editorial, traduzo poetas e novelistas de língua hispânica, por gosto ou a convite. Estou na toca, em tempo de pandemia.
2 - Quais são os seus escritores preferidos? Por quê?
R) Não vou dizer “preferidos”, vou dizer “cultuados”, porque foram primeiras leituras, formação do gosto e lições assimiladas. Autores como Machado de Assis, Monteiro Lobato, Máximo Gorki, Graciliano Ramos, Knut Hansum, Lygia Fagundes Telles, Aldous Huxley, Henry Miller, Kurt Vonnegut, Jorge Luis Borges, Sérgio Sant’Anna. Meu panteão é grande. Tem maiores e “menores”.
3 - Como é o seu cotidiano?
R) Na toca. Sem aposentadoria e sem direitos autorais, que minguaram com o recesso escolar. Vejo telejornais, me permito bater boca com bozoloides na rede social, e espero que o Brasil saia dessa caverna o mais rápido possível.
4 - Quantos livros publicou?
R) Entre livros próprios e antologias que organizei, uns 25 títulos, acho.
5 - Quais foram as suas alegrias literárias?
Em 2009, o MEC selecionou meu livro de contos “Treze Noites de Terror” (Editora do Brasil, 2002) para inclusão no PNBE – Plano Nacional Biblioteca na Escola, e adquiriu 25.000 exemplares para distribuição às bibliotecas. Um ou dois anos depois, meu livro infantil “O Livro das Mákinas Malukas” também foi selecionado para o mesmo programa, e o governo adquiriu 55.574 exemplares. Em 2006, meu conto “Torneio cósmico de xadrez” obteve 1º lugar no III Concurso Nacional de Contos de Ficção Científica, promovido pela revista Scarium Megazine, do RJ. Foram acidentes felizes. Mas a maior alegria é receber, por exemplo, uma cartinha de uma menina de Boa Vista, Acre, dizendo “Meu nome é Bianca, tenho 12 anos, adorei o seu livro e quero ser escritora quando crescer”. Essa é a maior gratificação de um autor: alcançar um leitor por vez. Basta pensar que José de Alencar, Machado de Assis e Aloísio de Azevedo escreveram num tempo em que a população do país era massivamente analfabeta.
6- Quais foram as suas frustrações literárias?
R) Eu diria que tive uma frustração fílmica. Em 2012, um grande cineasta brasileiro me disse que gostaria de fazer um longa-metragem com meu livro “Meu Mestre de História Sobrenatural” (Nankin, 2008). Fiquei na expectativa. O diretor releu o livro e sentenciou que era inviável pelo custo: teria que fazer um grande número de “efeitos especiais”, isso teria que ser feito em Los Angeles, e custaria uma fábula. No entanto, uma das narrativas desse livro, “Torneio cósmico de xadrez” vai ser traduzida e incluída num antologia bilíngue de FC, reunindo autores brasileiros e norte-americanos.
7 - Qual é o seu objetivo na literatura?
R) Escrever um bom livro. Em 2006, publiquei a novela histórica “O mamaluco voador”, uma narrativa assinada pelo padre Manuel da Nóbrega, que foi elogiada pelo escritor Sérgio Sant’Anna, meu herói, em nota publicada no extinto site Cronópios. O objetivo do jogo é criar um livro que sobreviva ao autor, mesmo que seja um livro para o público juvenil.
8 - Você julga a escrita superior à oralidade? Por quê?
R) Não digo superior, mas diferente. A oralidade, a coloquialidade enriquecem a poética de uma letra de música, por exemplo. A oralidade é buscada e valorizada nos diálogos entre personagens de um livro. Mas a escritura é um trabalho paciente e obsessivo em busca daquilo que Flaubert chamava de “le mot juste”, a palavra exata. O artesanato se sobrepondo ao espontaneísmo.
9 - Como você se organiza para escrever?
R) Faço anotações, sinopses de uma história em que esteja pensando, antes de escrever um conto, por exemplo. Ruminar mentalmente a história facilita o trabalho de estruturar sua progressão e a própria tarefa de escrevê-la. Para escrever um juvenil ambientado em Fernando de Noronha, fiz pesquisas e consultas, conversei com turistas, assisti a vídeos etc.
10 - Você quer ser reconhecido? Por quê?
R) Não me atrevo a querer nada em nosso país, que aspira a ser “o celeiro do mundo”, projeto antigo, do tempo do imperador D. Pedro II. À parte isso, “tenho em mim todos os sonhos do mundo”, como afirmou Pessoa em seu poema “Tabacaria”.
11 - O que é um poeta ou um escritor?
R) O poeta anda pelo mundo sendo atingido por estilhaços do real, que consegue capturar e converter em reflexão, revelação, iluminação. Os grandes poetas, naturalmente. O escritor é um espião da realidade: observa e coleciona incidentes para tecer em “texto” uma imitação da vida. Um objeto para encapsular aspectos da vida humana.
12 - Todo escritor é vaidoso?
R) Creio que sim. Assim como os redatores de publicidade, os jornalistas, os ídolos da música popular, os artilheiros do futebol e os mais modernos youtubers & influencers. É como disse Vinicius de Morais: “É muito difícil ser modesto quando se tem talento”. E Mário de Andrade matou na cabeça: “Todo escritor acredita na valia do que escreve. Si mostra, é por vaidade; si não mostra, também”.
13 - Como você lida com o fracasso?
R) Procuro seguir adiante usando como mantra uma máxima de Winston Churchill: “O sucesso consiste em ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”. Movendo-se com a elegância possível, eu acrescentaria.
14 - Como você lida com o sucesso?
R) Não tenho esse problema. Nos anos 80 e começo dos 90, escrevi letras de música com o pseudônimo de “Paulo Flexa”, porque era parceiro do compositor mineiro Luiz Guedes (1949-1997), que era meu primo e homônimo. Comecei a publicar aventuras juvenis a partir de 1995, a convite. Portanto, me considero um estreante tardio, que jamais poderia ser “um jovem talento” ou “revelação” da literatura brasileira”. Se qualquer desses trabalhos sobreviver ao autor, não me dirá mais respeito.
15 - Qual é o autor contemporâneo que, de fato, você admira? Seja sincero (a).
R) Já citei o nome dele: Sérgio Sant’Anna (1941-2020), que nos foi roubado pela Covid-19. Mas admiro muita gente, cada qual com seu brilho próprio. O filho dele, meu amigo André Sant’Anna, também escritor, também acho um cara admirável. O clube dos admiráveis é muito grande.
16 - Espaço aberto para sugestões de perguntas e palavras finais. Wilson Luques Costa
R) Sugiro que entreviste o escritor Roniwalter Jatobá, autor de “Sabor de Química” e “Crônicas da Vida Operária”. Ele morou em São Miguel Paulista. E seus personagens trabalham, como assinalou o escritor e crítico Nelson de Oliveira. Obrigado e abraço.
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Valeu, Wilson Luques! Força e honra, gladiador.
ResponderExcluirMuito legal a entrevista deste escritor, que merecia uma divulgação maior e um grande sucesso editorial. Não sou da ZL pois nasci no interior, mas meus avós moraram na Vila Curuçá, próximo da NitroQuímica nos anos 1960 e 1970 e tenho belas lembranças de lá. Obrigado e abraços.
ResponderExcluirAmei a entrevista. Aborda os temas com brilhantismo, espero um dia ler as suas obras.
ResponderExcluirAdorei a entrevista, Luiz Guedes é muito bom. As definições de poeta e escritor foram extremamente belas e fundadoras. Parabéns!
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