Uma pequena didascália
O CORONELISMO ACABA ANTES NA POLÍTICA, NA LITERATURA E NAS UNIVERSIDADES DEMORA UM POUCO MAIS.
Creio que são poucas as pessoas que perderam ou jogaram pela janela dois mestrados como eu. Eu cometi alguns equívocos que poderiam ser evitados: eu tentei participar em demasia das aulas; eu tentei sempre me posicionar francamente. E os bons livros de etiqueta dizem tudo o contrário do que fiz. Eu não sei se eu estaria com um pós-doutorado hoje em meu cv. E eu também não sei até que ponto isso me acrescentaria alguma coisa. Não vou dizer que eu não sofri pelos meus posicionamentos audazes e solitários. Hoje, eu vivo um outro momento. Sem demandar nada. Estou voltando ao que sempre fui: uma pessoa que simplesmente quer viver a vida, tendo uma família maravilhosa e a alegria estampada no rosto. Mas foi um momento. Também não sei por que fiz um texto assim. Nem sempre ser ousado e desafiar os poderes deu muito certo. O meu caso pode servir de paradigma para quem quer um exemplo do que não se pode fazer dentro de uma universidade de respeito
Trabalho-Libelo na PUC-SP / Curso: Mestrado em Filosofia 
Profa.Jeanne Marie Gagnebin
Nota: ZERO 
‘Ó GRANDE DEUS, LIVRAI-ME DOS HIPÓCRITAS!’

‘Eles me vaiam, mas eu me aplaudo
!’
“Enquanto se rebela esteticamente contra o estreito método de não deixar nada fora, o ensaio obedece a um motivo de ordem epistemológica ( erkenntniskritisch) . A concepção romântica do fragmento – como uma formação nem completa nem exaustiva do tema, mas que através de auto-reflexão vai avançando até o infinito – defende esse tema antiidealista no próprio seio do idealismo. Também no modo de expor, o ensaio não deve fazer como se ele tivesse deduzido o objeto e que dele nada mais restaria a dizer. É inerente à forma do ensaio a sua própria relativização: ela precisa compor-se de tal modo como se, a todo momento, pudesse interromper-se. Ele pensa aos solavancos e aos pedaços (er denkt in Brüchen), assim como a realidade é descontínua (brüchig); encontra a sua unidade através de rupturas (Brüche) e não à medida que as escamoteia (alisa: glättet). A unanimidade da ordem lógica engana quanto à essência antagônica daquilo que recobre. A descontinuidade é essencial ao ensaio; seu assunto é sempre um conflito suspenso.” (“O Ensaio como Forma” Adorno, Sociologia, org. G. Cohn, Trad. R..Fl. KOTHE, Col. ‘Grandes Cientistas Sociais”, Editora Ática, 1986, São Paulo, p.180).


Foi partindo, talvez, de um paradoxo, que eu me sento à escrivaninha e assento também os meus dois pés no chão e enceto, ou melhor, tento encetar uma reflexão acerca do que se possa chamar trabalho escolar ou pequena monografia. Isso, sem dúvida, coloca-me numa aporia sem precedentes, conquanto sabemos que uma aporia se dá menos numa escolha do sujeito diante de um objeto, que as aporias clássicas que algumas já conhecemos sobejamente.

Sugestões de trabalhos de fim de semestre, apontam-nos sempre alguns caminhos, sendo forçoso, pois, ter que fazer uma escolha entre esses quatro caminhos aqui, agora, apresentados, porquanto um possível descaminhar poderá levar-me a um abismo (Abgrund) acadêmico. Ou seja: ter que escolher e iniciar uma reflexão e tentar analisar, perquirir conceitos, metáforas e idéias principais. O que confesso não ser tarefa fácil. Sobretudo para mim, que sempre me vi nos descaminhos da escrita. E vi (uma ingenuidade minha?) na Escola de Frankfurt um colo. Um colo de Deus, como diria Nietzsche.

Mas o que, efetivamente, me faz soçobrar é menos essa incursão, embora sabendo não ser fácil, e mais tentar encontrar um Umweg, uma trilha por onde não me perder.

Desviar-me sem ser atropelado por uma avaliação mais rigorosa, que se prestasse ao método, à totalidade, ou o que poderemos denominar de um faro norteador, que tenta não se colocar como farol. Por isso vou fragmentando o meu espírito (Geist) nessas contradições. Escrever sobre o ensaio, mas não um ensaio; escrever sobre o fragmento, mas não escrever um fragmento; não me atribuir de qualquer método. Mas como, se todo método é caminho e caminho conduz-nos invariavelmente a qualquer ponto? E ainda assim trilhar seguro na nevasca que me impede de saber qual o farol que me espera.

Ir tateando, desviando dos atropelos da história, da coisa arraigada, sagrada e consagrada. Não usar frases desgastadas: ‘notadamente’, ‘o fator precípuo’, ‘com efeito’, ‘de maneira que’, ‘absolutamente necessário’ e por aí vai e não me desgastar também.

Manter-me inteiriço, porque um fragmento de mim, um fragmento de meu pensamento, não serviria absolutamente para nada, porque não chancelado por aquilo que a Escola de Frankfurt disse sempre abominar.

Eu não podendo de forma alguma preterir, protelar, prescindir de uma luz. Refletir cartesianamente? Ter os meus achaques intelectuais? Perfilar pelo meu suposto saber ‘enciclopédico’? Ou resistir? Comportar-me sempre como antítese?

Mas não uma antítese-potência que se quer ato; uma antítese-antítese que quer permanecer antítese tão somente. Uma antítese suspensa, fluida, relativizada. Dar os saltos feito um saltimbanco?

Solavancar, não tendo como ponto de apoio nem a alavanca de Arquimedes?

Saltar no abismo, mas não cair no abismo. Ignorar o faro e o farol que me apontam um caminho (ódos). Passar o sinal vermelho? Ou um sinal amarelo? Pensar aos saltos? Opor-me ao meu pensamento? Fazê-lo uma mercadoria? Uma moeda não se dá somente nas formas de notas metálicas ou ações, uma nota é uma debênture, e o meu pensamento sob o jugo e o meu pensamento no embate entre mercadoria ou não. Resistir ao ponto de equilíbrio e defenestrar a totalidade de um título?


Deixar de ser um barão pós-moderno? Um marquês do saber especializado? Um conde da especialização? Mas não seria tudo isso um mito de Tântalo? Seria perigoso inverter o mito de Tântalo? Afastar-me da água e dos manjares dos deuses?

Nos solavancos que dou, tento recuar, pondero, reflito, mas as palavras vão saltando antes desse meu salto suicida. As palavras pensam antes de eu pensar. E as palavras vão saltando como fragmentos, e fazem-me lembrar de idéias que a priori eu concordo, mas que as vejo somente e particularmente como a priori. Dá vontade de parar. Por que seguir se não há uma totalidade? Contentar-me com esse teco de pensar?

Mas a fragmentação também fragmenta, para quem está acostumado com uma música canônica ocidental.

Um serrote de Tom Zé fere os ouvidos, como um Pierrô Lunaire de Schönberg.

Mas quem terá ouvidos?

Mesmo os propugnadores, na certa, olvidarão tal fato e, como Ulisses, recorrerão aos tampa-tímpanos. Ouvir uma música incidental, dissonante, não é salutar.

Só haveria vida no nómos ocidental?

Só gostamos da música que conhecemos. É imperioso só tocar no toca-disco a cantilena que já vimos ouvindo. Não estamos dispostos a uma des-enarmonia. Toquemos para os músicos de plantão. Façamos a duração das notas: semibreve, mínima, semínimas, colcheia. O contraponto é perigoso. Requer-se uma melodia, um ritmo, um compasso. Um acidente sempre será perigoso.



Se não há regra, tudo é permitido. Pensamento sistemático, palavras de dúbio sentido. Seria como aquela expressão sobre Deus? Se não há Deus..... Mas se chego e paro: seria o fim ou uma estada? Um desencontro?

Como aqueles tropeiros-trôpegos que descansam os seus ginetes para se perderem mais à frente? Seria esse trabalho uma forma modesta? Seria possível estancar o perene momento?

Paro e penso. Sinto-me burlesco. As primeiras bridas ninguém quer quebrá-las. Discuti-las sim, até a sua exaustão. Mas não ousemos.

Ousemos somente até onde for permitido. Onde é permitido, é onde não me revolto: dentro dos quadrantes da permissão.

Falemos do que quisermos, desde que falemos com um certo pudor, um certo requinte. Poderemos ser díspares em nossos pensamentos; mas que obedeçamos às regras. O estabelecido. O fundamentado, mesmo que eu apregoe um des-fundamento.

Faz-se mister um Grundprinzip? Inserções de notas periféricas? E se não o fizer? Fundamentar o princípio?

Gargarejar com cepacol na boca e as cerdas das cordas vocais bem arejar com citações em grego, alemão, inglês (piegas)?

Que ninguém nos flagre!

Inventar uma nova forma; uma forma idealizada tão somente, fazer uma crítica aos sistemas totalitários, mas sem se afastar das colunas bem erigidas.

Após o discurso, retornemos todos, educadamente, aos nossos lares; obedientes e servis.

Estanco!

E corro com medo de encontrar aquele velho senhor, porque aquele senhor desferiria aquelas palavras impetuosas. E eu não quereria ouvi-las, porque não saberia responder.

Ou saberia?

“Ora, ora, meu caro! O senhor! Aqui!

sim, estou aqui...

Em um local mal afamado...

que eu saiba.....

Um homem que sorve essências, que se alimenta de ambrosia!

não de maneira alguma...permita-me...sinto-me bem aqui... apenas o senhor me reconheceu...além disso apraz-me o pensamento....de resto...entedia-me a dignidade....

Sim...sim...

sinto-me bem aqui...

Mas vejo o abismo....

seria o colo de Deus? mesmo assim julgo menos desagradável perder minhas insígnias...

Isso será burlesco...

mas antes quero ouvir Pierrô Lunaire...

Sim, o fascista considera de seu direito vingar-se nos diferentes, pois jamais pode admitir a sua própria fraqueza...a formulação Dialética negativa é um atentado contra a tradição...as formulações frankfurtianas representam a subversão do sentido consagrado da filosofia...invertem o hegelianismo...o ensaio não compartilha a regra do jogo da ciência e da teoria organizadas...

não dá mais para reaquecer as auréolas...a indústria cultural reproduz falsas auras...a arte como atividade lúdica e experimentação...a vida justa só pode ser socialmente justa...deixemos, meu caro senhor de totalidades...deixemos....estanco no Umweg...”


Bibliografia:
Livros, a vida, a dor, a esperança, conversas de bar,
leituras, aulas , pensar, pensar, a vida....a vida....

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Mestrado
Disciplina: Filosofia das Ciências Humanas II
Profa. Dra. Jeanne Marie Gagnebin
Mestrando: Wilson Luques Costa
sampa/primavera2003
30/10/2003

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