27/08/2011 

As minhas memórias com Vicente Cechelero

Tive a oportunidade de conviver com esse magnífico poeta pelas ruas aqui de Sampa; pude recebê-lo em casa também.Poeta de difícil convívio, porém de refinada estirpe. Não obstante os prêmios em vida, foi, a meu ver, boicotado por uma igrejinha que se instaurou  e se insatura nocivamente aqui no Brasil, igreja essa deletéria ao Brasil e a nossa poesia. Visitei-o num Hotel, próximo ao antigo Correio Central. Perambulava, pelas ruas de Sampa, incógnito, vendendo os seus papiros egípcios. Prezava pela forma. Abominava todo fazer poético gratuito. Percebia quem se imiscuía em sua amizade para tirar-lhe benesses. E se escrevo não é também com esse intuito. Confidenciou-me muitas vezes as suas predileções poéticas; lembro-me de Blake, Keats e outros -- dizia-me da procrastinação da defesa de mestrado na USP em Borges, como citou em seus dois belos livros. Muitos não o toleravam; e ele por sua vez não os tolerava também; falava da má poesia de seus contemporâneos. Elogiou Alexei Bueno e um poeta do Nordeste. Não gostava de Drummond. Disse-me assim: Wilson, aonde se chega escrevendo Boi Tempo? Tinha uma cizânia literária, que poucos compreendiam. Mas tinha consciência de seu valor universal. Certa vez, tive que correr com ele pela rua Dom José de Barros, porque pensara que era Chamie em seu encalço. Frequentei a Mario de Andrade com ele. Ríamos ao vermos os poetas adulando poetas já consagrados. Ele tinha fel na sua escrita, mas era um ser humano puro. Era como um deus do olimpo, que caíra num Hades, sem retorno. Conhecemo-nos na frente da Biblioteca Mario de Andrade. Comprei seu livro Língua das Sombras e inebriei-me com a sua poesia. Depois, em visita em minha residência na Zona leste de São Paulo, num dia de finados, dedicou-me o seu livro Só Matéria do Mundo; foi cordial comigo chamando-me de poeta. Mas eu não acreditei. Ele era irônico também com os seus próximos. Melindrava-se à toa também. Estava sempre em refrega. Recordo-me observando com ele a arquitetura europeizada de São Paulo. Quase perdi a minha corretora de seguros, porque falávamos só em literatura e poesia. Depois ausentei-me dele, por conta de outras atividades. Víamo-nos pouco. Certa vez, queixou-se de dores. Dizia-me que tomava dorflex. Disse-lhe para se cuidar e ir ao médico. Coisa que provavelmente não fez. Preferiu cantar, como se diz, em latim, para a sua grã mater, o último canto de um grã-cisne-poeta.

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