SÍSIFO - 0 CENTROAVANTE

A bola ali pingando na sua frente...
A linha tênue que separa o gol e o não-gol...
A bola ali pingando...
Os locutores esbaforidos...
A torcida atônita com o grito engasgado na garganta...
Era só resvalar...
Um simples toque com o bico da chuteira...
Não havia mais beques nem center-half...
A bola ali nua...
Uma esfera lúdica, pudica e derrotada...
Uma esfera à merce das redes...
Era só um resvalar com a chuteira...
Não precisava ser Garrincha nem Vavá...
Um simples Dadá, talvez...
Até mesmo um varzeano do Onze Tibiriçá...
Ou mesmo Dindinho...
Lá estava ela sucumbida, tímida, com a sua tez branca...
Os holofotes nela...
As câmeras todas voltadas para ela...
A rede a sua mais nova nubente...
Uma rede libidinosa...
Uma rede no cio...
Uma rede grávida...
Um simples toque...
A camisa nove pesava-lhe nas costas...
Naquela fração de segundos entre a rede e a bola, Sísifo resolveu caminhar sem as chuteiras que sempre calçara...
Sísifo desamarrou os cadarços, dependurou as chuteiras sobre os ombros e caminhou...
Não era mais a esfera que carregava consigo...
Cansava de ser Atlas...
A bola ali pingando...
Os locutores esbaforidos...
A torcida atônita...
Finalmente, Sísifo pendurara as chuteiras...



DO LIVRO CONTOS DE ARRABALDE / 2001 - COM PEQUENAS ALTERAÇÕES.
TODOS OS DIREITOS DESSE BLOG E DO LIVRO PARA O AUTOR.

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